Poeta e Educador

Festa de Ritmos

VERSOS COR-DE-ROSA

Sempre que de meu livro te aproximas,
pedes, num riso, trêmula e nervosa:
– Mostra-me, aqui, os versos cor-de-rosa
do teu tesouro rútilo de rimas.

A minha mão te aponta, pressurosa,
versos de amor… E, em febre, tu me animas
com o calor desta boca saborosa
como as uvas no tempo das vindimas.

Nos poemas, ante os quais eu fico mudo
(todo verso de amor tem seu segredo…)
queres , aflita, a explicação de tudo.

De repente, num beijo, estremecemos!
nossos lábios se falam quase a medo…
são versos cor-de-rosa que dizemos!

CANÇÃO DA CHUVA

Só. A chuva canta lá fora.
o dia está triste e cinzento
como um inútil pensamento
de quem contempla a vida — e chora…
A chuva cai, lenta, lá fora…

Parece que tem alma a chuva…
Ela chora assim como a gente,
sentidamente, amargamente,
quando a tristeza nos enviúva…
Deve ser triste a alma da chuva…

E, neste abandono — que frio!
Mas o coração está quente,
cheio de ti, eterna ausente,
no meu pobre quarto vazio…
Coração ardente! — que frio!

Alvas mãos de luar… lábios de uva…
Penso: a saudade, na tarde erma,
na minha alma, dorida e enferma,
chora e canta como esta chuva…

HISTÓRIA

Eu não sei como foi. Eu sei que havia
muitas rosas florindo no caminho.
Tu me pediste – um pouco de alegria…
Eu te pedi – um pouco de carinho…

E um lindo poema, em êxtase, baixinho,
eu te disse, ao jardim, daquele dia.
Desde então, nunca mais andei sozinho:
mesmo em sonho, o teu vulto me seguia…

E o nosso amor nasceu, com a primavera.
Viam-se rosas enfeitando a estrada
e pássaros, no bosque, à tua espera.

Agora, a nossa história é resumida:
— és tudo em minha vida amargurada!
e eu sou alguma coisa em tua vida…

POEMA DAS TUAS MÃOS

Dá-me, ó Toda Pura, as tuas mãos macias,
em que há veias azuis como o nosso destino.
Alvas mãos de legenda e alegorias
que espalham, na quietude dos meus dias,
como lírios reais, seu aroma divino…

As tuas mãos heráldicas e místicas,
feitas para passar as contas dos rosários,
diante da pureza dos sacrários,
no silêncio das mesas eucarísticas!

Mãos de neve e de luar: brancas e luminosas,
cheias de sortilégio e de carinho,
que, na penumbra vã do meu caminho,
acendem astros e sacodem rosas…

Na vida áspera de escolhos,
dentro das minhas sempre quero tê-las,
pois, vendo o céu escuro dos teus olhos,
para mim — os teus dedos são estrelas.

Tuas mãos milagrosas e perfeitas
sugerem-me, ao sol-pôr, sonhos lindos e vãos…
Deixa que te consagre a eleita das eleitas,
de joelhos, a teus pés — adorando estas mãos!

RENÚNCIA

Eu não devia ter-te amado tanto…
Agora – é tarde para te esquecer.
Mas quando um grande amor se enche de pranto,
olha: a renúncia é quase que um dever:

Renúncia é sacrifício e desencanto…
que me faz grande e que te faz sofrer.
Renuncio a este amor profundo e santo,
É o holocausto de um ser a um outro ser!

Foste o afeto maior da minha vida.
Vou deixar-te. É o destino. À alma dorida,
não mais os sonhos lindos voltarão.

Renúncia é sofrimento, angústia e treva.
É um coração que o seu altar eleva
por sobre as ruínas de outro coração…

UVAS E BEIJOS

Eu não devia ter-te amado tanto…
Agora – é tarde para te esquecer.
Mas quando um grande amor se enche de pranto,
olha: a renúncia é quase que um dever:

Renúncia é sacrifício e desencanto…
que me faz grande e que te faz sofrer.
Renuncio a este amor profundo e santo,
É o holocausto de um ser a um outro ser!

Foste o afeto maior da minha vida.
Vou deixar-te. É o destino. À alma dorida,
não mais os sonhos lindos voltarão.

Renúncia é sofrimento, angústia e treva.
É um coração que o seu altar eleva
por sobre as ruínas de outro coração…

UVAS E BEIJOS

Eu não devia ter-te amado tanto…
Agora – é tarde para te esquecer.
Mas quando um grande amor se enche de pranto,
olha: a renúncia é quase que um dever:

Renúncia é sacrifício e desencanto…
que me faz grande e que te faz sofrer.
Renuncio a este amor profundo e santo,
É o holocausto de um ser a um outro ser!

Foste o afeto maior da minha vida.
Vou deixar-te. É o destino. À alma dorida,
não mais os sonhos lindos voltarão.

Renúncia é sofrimento, angústia e treva.
É um coração que o seu altar eleva
por sobre as ruínas de outro coração…

HUMILDADE

Vives cantando, alma à alegria presa,
minha cigarra lírica de tranças.
Transformas o meu parque de tristeza
num canteiro sonoro de esperanças.

Tua voz lembra a voz de uma princesa
de outras eras longínquas. Não te cansas
de cantar! E, a escutar-te, com surpresa,
vejo, sonhando, as rosas e as crianças…

Cantas – e encantas a minha alma inquieta.
Fazes da minha vida de poeta
a sinfonia da tua alma em flor.

Tua voz transfigura e purifica.
Que tesouro de sons! És muito rica!
como eu sou pobre para o teu Amor!

SAMARITANA

Foi apenas um beijo. E a um beijo apenas
toda a minha alma lírica e profana,
ali, por entre as rosas e as verbenas,
ficou cheia de ti, Samaritana!

Nunca mais o esqueci. Mágoas e penas
fugiram-me, depois, na luta insana.
Teu beijo fez-me as horas mais serenas
e a vida mais suave e mais humana.

Inda lhe sinto os cálidos ressábios.
Foi o vinho do amor, que me serviste
no cântaro rosado dos teus lábios…

Faz tanto tempo! E hoje, afinal, sozinho,
daria tudo o que em minha alma existe,
por uma gota só daquele vinho…

CARTA AO MEU AMOR

Minha querida!
és muito mis ainda: és minha vida!

Escrevo, meu Amor, com os olhos rasos d’água…
Um dia sem te ver – é um dia só de mágoa!
Contemplo a noite negra, enquanto cai a chuva,
em lágrimas sutis, sobre a cidade quieta.
A saudade de ti meu coração enviúva…
Só não sofrera assim, se eu não fora um poeta
e não achasse a vida insípida e sem cor,
quando não a ilumina um grande e eterno amor!
Um amor como o teu – renúncia, enlevo e sonho –
diante de cujo altar a alma aberta deponho,
como um lírio ante um deus, em sinal de louvor.
Amor que transfigura e encanta, meu Amor!

— Amanhã me verás? recordo a frase tua,
na hora da despedida, à tarde, em meio à rua.
E penso que esta frase, em teu lábio divino,
mudava, àquele instante, o curso do destino…

E como comecei, cheio de imensa mágoa,
termino, meu Amor, com os olhos cheios d’água…

DESENGANO

Não acho mais encanto no que dizes…
Árvore – ao meu clamor ninguém responde.
Falta-me seiva às íntimas raízes…
Galhos sem folhas e deserta a fronde…

Deixaste-me tristonho e só… Para onde
fugiste, ave de rútilos matizes?
Por tua causa é que minha alma esconde
doridas e profundas cicatrizes…

Agora, voltas sorridente e lesta.
É muito tarde! Morto de cansaço,
recebo-te sem palmas e sem festa.

Já não tenho, minha ave humana e louca,
– nem lindas flores para o teu regaço!
– nem doces frutos para a tua boca!

AQUELA CARTA

Tua carta diz assim:
“Devolvo aquilo que me deste um dia:
versos, cartas de amor e tudo, enfim,
em que há um pouco da tua fantasia
e muito de nós dois, de ti, de mim…”

Mas nesta carta amargurada e fria
uma frase de mística ternura
vem, depois:
“Agradeço, porém, toda a doçura
com que encheste a minha alma de alegria,
para a glória do afeto de nós dois.”

E chego ao fim – que sabe a espinho e a rosa,
que é minha glória e meu tormento:
“Esquece a nossa história dolorosa,
ou guarda, do seu grande encantamento,
uma lembrança suave e carinhosa,
pois eu te quis imensamente, um dia…”

Não te posso esquecer. Viverás na minha alma
como o sol numa tarde, sem poesia…
Dobro a carta, chorando. E a minha dor se acalma
ao pensar, no crepúsculo de seda,
(enquanto, pelo azul, nuvens roxas se adensam…).
que não terás de mim o mais leve rancor…
A tarde cai como uma bênção
de ouro e de cinza no silêncio da alameda.
…………………………………………………………………….
É muito triste o fim de um grande Amor!

ILUSÃO DA DISTÂNCIA

Vejo, em sangue, o crepúsculo dormente.
Estou só. Que silêncio na avenida!
E à tarde – em pleno coração ferida –
recito uns versos, comovidamente.

Acorda, na minha alma ansiosa e ardente,
uma saudade imensa e dolorida
de alguém que fulge, dentro em minha vida,
com um rútilo esplendor de sol nascente!

Lírio real do meu parque de estesia,
vem de ti a saudade, que angustia
meu coração a debater-se em ânsias…

Pensa em mim… Penso em ti, nesta inquietude!
Aos corações que se amam – sempre ilude
o mistério nevoento das distâncais…

A SAUDADE DO PIANO

Em meio à sala, agora tão deserta,
o piano dormita.

E uma saudade como que palpita,
desperta,
na sua alma trêmula de sons,
na sua alma de riso e de queixume,
irmã das almas límpidas dos bons,
onde florescem sonhos e segredos:
– é a saudade sutil de teu perfume,
– é a saudade macia de teus dedos…

EXALTAÇÃO

Vens a mim, docemente, ardendo de desejo,
e poes em minha bôca a brasa do teu beijo.
Estás nervosa e branca. Até lembras a lua,
que despe o manto de ouro e fica toda nua,
enchendo de volúpia as estrelas e as rosas.
Aperto em minhas mãos as tuas mãos nervosas.
Contemplamos a noite imensa que relumbra
cheia de astros. E, os dois, ficamos na penumbra,
que agora se ilumina, ao seu vivo esplendor,
sentindo o amor! gozando o amor! vivendo o amor!

CANÇÃO DOS QUE SOFREM

Quando a essência das coisas investigo,
nas minhas horas de concentração,
reconheço que o sonho é o meu castigo,
pois ninguém vive só do coração.

Sofro. Mas ponho sempre no que digo
um pouco de beleza e de emoção.
A arte é um doce veneno, meu amigo,
que somente os eleitos provarão.

Dedico esta canção aos revoltados,
a todos os artistas torturados
que sonham, por destino ou por dever.

E vão, incompreendidos, pela vida,
sentindo, entre os reveses da subida,
a glória de sonhar e de sofrer!

EU TE ESPERO, AMOR

Eu te espero, Amor.
Por que não vens? por que não vens, querida?
É tão tarde! E eu, tão só, relembro tudo
o que li nos teus olhos de veludo,
no dia da partida…

Eu te espero, Amor.
Volta de novo para o meu retiro!
Volta de novo para o meu carinho…
Ouço-te a voz na voz do mar… Deliro!
Oh! a saudade é um vinho…

Eu te espero, Amor.
E enquanto sofro a ausência de teus olhos,
com os olhos já cansados de esperar,
diante de mim, entre parcéis e abrolhos,
vejo, chorando, o mar.

Eu te espero, Amor.
A tortura do oceano aumenta o mágoa
que me confrange o coração assim.
E eu penso, então, com os olhos rasos d’água:
– Ela gosta de mim!

Eu te espero, Amor.
Olho a noite. Que treva lá por fora!
Nenhuma estrela pelo céu se vê!
E em vão te espero!… Chove: a noite chora…
Por que não vens? por quê?

Eu te espero, Amor.
O negrume da noite dolorida
me enche de espanto e causa-me pavor!
Por que não vens? por que não vens, querida?
Meu amor! meu Amor!

ELEVAÇÃO

Cantarei nossa história em tessituras
de versos harmoniosos e perfeitos,
para que o nosso amor, ante as criaturas,
tenha o fulgor do afeto dos eleitos.

Eu te julgo a mais pura dentre as puras,
quando te vejo, extreme de defeitos,
espalhando carícias e ternuras,
entre almas vãs e corações estreitos.

Tu me elevas o espírito sereno:
as altas emoções, a um teu aceno,
fico, encantado e em êxtase, a vivê-las…

E, nesta elevação suprema e estranha,
eu sinto o mesmo anseio da montanha,
ascendendo em procura das estrelas…

TARDE DE EVOCAÇÃO E DE ÂNSIA

Tarde triste e azul de ânsia e de evocação.
Os lírios morrem, docemente, no jardim.
No meu desiludido coração,
anda esta mágoa, que não tem mais fim!

Hora parada.
Silêncio. Folhas mortas. Abandono.
É a nossa longa história amargurada
como um parque sem rosas, pelo outono…

Quanta mágoa em meus olhos doloridos
nesta tarde de lágrimas e de ânsia!
Agita-me os sentidos
a saudade de uns beijos perdidos
que lá ficaram, longe, na distância.

Passa o teu vulto leve na alameda.
Tão de mansinho vais! tão devagar!
E eu me fico a pensar em mãos de seda…
Depois
recito os versos lindos de nós dois
e fecho os olhos – para recordar…

OS PRESENTES DE PAPÁ NOEL

O primeiro Natal de minha vida
de enamorado e poeta – foi tão lindo!
Na adolescência lírica e florida
rosas de toda cor se vão abrindo…
Nossos olhos se encontram… Num momento,
tudo tem, para nós, outro fulgor!
Traz-me Papá Noel, com sentimento,
um presente divino: o teu Amor.

A vida passa… Mais um ano. E vamos
outro rico Natal viver agora.
Há cantigas românticas nos ramos
e rosas cor-de-rosa estrada em fora…
Pelo teu braço, deslumbrado, eu sigo:
é o par mais invejado da cidade!
E então Papá Noel, velhinho amigo,
dá-me o presente da Felicidade!

Natal! Natal! Ouço cantar os sinos
na manhã toda rica de esplendores.
E prendem-se, afinal, nossos destinos,
como dois astros, como duas flores.
Contemplam-me os teus olhos, docemente,
num êxtase profano de desejo.
Papá Noel vem rindo… Que presente!
É o presente sonoro do teu beijo!

– Adeus, meu poeta. – Meu amor, adeus.
Partes. Nosso Natal vai ser bem triste!
Choram mais os teus olhos do que os meus…
Mas, a esta ausência, qual de nós resiste?
Que angústia eu sinto! E o céu azul e brando
é indiferente à mágoa que me invade.
Papá Noel agora vem chorando…
Traz o triste presente da Saudade

QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Quarta-feira de cinzas longa e fria!
Um velho aroma todo o parque invade,
evocando a aventura e a fantasia…
Quarta-feira de cinzas da saudade!

Ah! Colombina frívola e vadia,
eu penso em ti, nesta intranqüilidade!
Cinzas… Recordação… Melancolia…
Eis o que resta da Felicidade!

Gemem, humanamente, os arvoredos.
Choram meus olhos, cheios de cansaços,
a ausência de teus lábios e teus dedos…

Vem matar, Colombina, os meus desejos,
na serpentina branca dos teus braços,
entre o rubro confete dos teus beijos!

NOSSO AMOR É UM SEGREDO

Nosso amor é um segredo lindo! Nosso Amor
será mesmo possível defini-lo?
Semelha um céu puríssimo e tranqüilo
que esconde de astros de ouro divino esplendor…

Eu jamais te direi o que há dentro de mim…
O que tens dentro da alma não me dizes…
Até parece o afeto das raízes,
na vida subterrânea do jardim,
de cujo encanto fala o perfume da flor.
A verdade é que eu te amo e tu gostas de mim!

É um lindo segredo o nosso Amor!

AMOR DE UM DIA

Amor de um dia! deixa que eu consagre
a ti, também, um pouco deste enlevo,
de que rebentam, como por milagre,
apaixona, dos versos, quando escrevo.

Nem beijos nem a esponja de vinagre
tive do teu afeto sem relevo.
E, mesmo assim, é justo que eu te sagre
a ilusão de um momento, que te devo.

Há glória e sonho, às vezes, num minuto.
O teu perfume de esquisito fruto
infiltrou-se-me na alma, de repente.

Passaste logo… Mas quem sabe, ao certo,
se eras tu, ó miragem do deserto,
aquela que eu procuro, inutilmente?

BALADA DO AMOR E DO SONHO

Tens-me aqui ao teu lado. Escuta esta canção
que eu fiz, pensando em ti, sob a luz das estrelas,
enquanto o mesmo doido anseio de colhê-las
todo me penetrava o inquieto coração.
A vida é mesmo assim… Ninguém vive feliz,
sem a glória do amor e a beleza do sonho.
Quando me vês passar, quebrantado e tristonho,
com os olhos te dizendo o que a boca não diz,
depois de uma traição qualquer do meu destino,
Embora à luz do sol – sem teu riso divino,
teu beijo e teu olhar! – como eu sou infeliz!

Um amor que se acaba é um sonho que findou…
Vive às vezes, num sonho, o encanto de uma vida.
Nossa alma fica mais, muito mais dolorida,
quando perde, afinal, o que nunca alcançou.
E o sonho é sempre assim como oculta raiz
que ainda de pé mantém, no deserto que espanta,
a árvore em cuja fronde uma ave só não canta,
nem mais um fruto o beijo áureo do sol bendiz…
Alimentemos, pois, nosso sonho encantado!
Estando ao lado teu – e tendo-te ao meu lado,
eu me sinto feliz! eu te vejo feliz!

Que viva eternamente o nosso grande amor,
iluminando o sonho ingênuo, que me embala,
de uma estrela roubar ao céu – e colocá-la
na nossa estrada, como a estrela do Pastor!
Ela nos levará, excelsa flor-de-lis,
ao reino de ouro e azul dos divinos eleitos,
onde havemos de ser mais puros e perfeitos
– o coração sem mancha, a alma sem cicatriz –
entre lírios, sonhando… A vida mansa e quieta.
Tu me dirás, sorrindo: – Eu sou feliz, meu poeta!
Cantando, eu te direi: – Meu amor! sou feliz!

A QUE FICOU DE VIR

Foi na alameda, pelo outono. Eu lia
versos tristes à tarde de aquarela,
quando a mão lhe senti, que me cobria
os doloridos olhos cheios dela!

Toda, de verde para mim sorria. . .
E o seu sorriso um sonho me revela:
a nossa história, no morrer do dia,
nasceu – e se tornou radiosa e bela!

É mister que ela parta, no entretanto.
Tomba a noite, sem astros. Desolado,
eu lhe enxugo, chorando, o amargo pranto…

O caminho de pétalas se junca.
– Eu voltarei um dia, meu amado!
E esta linda mulher não voltou nunca…

A QUE FICOU DE VIR

Foi na alameda, pelo outono. Eu lia
versos tristes à tarde de aquarela,
quando a mão lhe senti, que me cobria
os doloridos olhos cheios dela!

Toda, de verde para mim sorria. . .
E o seu sorriso um sonho me revela:
a nossa história, no morrer do dia,
nasceu – e se tornou radiosa e bela!

É mister que ela parta, no entretanto.
Tomba a noite, sem astros. Desolado,
eu lhe enxugo, chorando, o amargo pranto…

O caminho de pétalas se junca.
– Eu voltarei um dia, meu amado!
E esta linda mulher não voltou nunca…

CASA ABANDONADA

Leio o letreiro: – Aluga-se esta casa.
E ela viveu, aqui, risonha e bela,
como num quadro antigo de aquarela,
a cuja evocação meu ser se abrasa,

No deserto jardim, nem mais uma asa
de borboleta o roseiral constela.
E, ante o letreiro triste da janela,
de meus olhos o pranto se extravasa.

Recordo os nossos tímidos segredos…
Morrem lírios, em torno da calçada,
à míngua da carícia de seus dedos.

Tudo passou: o encanto, o amor, a glória…
A história desta casa abandonada
ainda é mais triste do que a minha história!

SAUDADE

Partes. É breve a viagem. Mas, que importa?
Pois um dia, sem ti, vale cem dias
vividos ante uma paisagem morta.

Sem teus olhos, Amor, sem teu encanto,
são as horas inúteis e vazias,
cheias apenas de tristeza e pranto.

– Voltarei breve! trêmula, disseste.
E eu te espero, há dois dias, revoltado
contra a soalheira do sertão agreste.

Queimas o rosto ao sol. Mas, nos caminhos,
ao ver-te os olhos de um fulgor magoado,
põem-se a cantar todos os passarinhos!

Vais sofrer. Vais chorar. Tenho certeza.
E ao contemplar teu rosto assim de luto
talvez te desconheça a natureza.

Que mudança nas árvores agora!
Já não ofertam mais flores e fruto
à companheira gárrula de outrora!

…………………………………………………
Cai a tarde, num triste desencanto.
A vida me parece um mar de abrolhos
na tua ausência, que amargura tanto!

E, de longe, entre lágrimas te vejo.
Meus olhos têm saudade dos teus olhos!
a meu beijo saudade do teu beijo…

SÍMBOLO DO FIM

Hão de viver-me sempre, na memória,
este crepúsculo e esta despedida.
A beleza da tarde é merencória…
A luz do teu olhar é dolorida…

O sol, num instante último de glória,
beija as rosas vermelhas da avenida.
E morre, entre suspiros, esta história,
que era todo o esplendor da nossa vida!

Tua trêmula voz, dói-me escutá-la.
Na tarde passa uma andorinha leve,
sozinha e triste, pelo céu de opala.

– Adeus, adeus! respondes-me chorando.
Vai-se a felicidade, que foi breve,
como a andorinha que fugiu do bando…

EPÍLOGO

Foi um raio de sol na minha vida
este amor, que se fez o meu tormento,
quando, ali, na alameda ampla e florida,
disseste adeus, baixando o olhar nevoento…

Hoje, emoções inéditas invento
para esquecer a história dolorida
desta paixão, que é glória e sofrimento,
desventura e esplendor, queda e subida!

Tristonho amor feito de rosa e espinho,
que a tua sombra, na existência louca,
não volte, nunca mais, ao meu caminho.

Não pude, ao menos, no final ensejo,
gravar, com esta saudade, em tua boca,
a magoada lembrança do meu beijo!

O POEMA QUE HERMES FONTES NÃO ESCREVEU

Noite de Natal! Doçura. Encantamento.
No meu berço distante e pequenino,
isento de paixões e de ambições isento,
eu te ofertava, num deslumbramento,
os meus sonhos dourados de menino…

Noite de Natal! (Minha voz muda o som…)
Agora, enches de treva o meu destino,
tornando-me descrente e desgraçado.
E até me sinto mau – eu que sempre fui bom!
Ouço de novo alguém, que predisse o meu fado:
– Glória, Prazer, Felicidade, Amor,
tudo, tudo é mentira, Sonhador!

A angústia me alucina e me agrilhoa os pulsos!
Seja-me a, vida o que quiser…
O deserto sem fim onde uma asa não voa
e onde apenas se vê, a rir dos ais convulsos
da minha alma tão simples quanto boa,
da minha alma que, enfim, já não sabe o que quer,
esta mulher. . . esta mulher. . . esta mulher!
Vejo imersos em sangue e lama os sonhos meus…
(Senhor, esta Vergonha é um cálice de Absinto!)
Amei-a com loucura e quase por instinto,
como se adora o Sol e a Lua – e o próprio Deus!

Mentiu-me. Abandonou-me. E eu fiquei sem conforto,
amargurado e só,
no martírio infinito do meu horto,
sozinho como Cristo e exposto como Jó!
Pedras ingratas me feriram todo…
Não sei por que me segue esta visão sangrenta!
Quando a vida se sente afundada no lodo
– é preciso extinguir a chama que a alimenta!

Noite de Natal!
O festivo rumor que anda lá fora
me exaspera e faz mal!
Vês, entre os meus dedos,
fulgindo como um verso impassível de Herédia,
brilhando como um astro, este fulvo metal?
Pois bem. Eis o fim. Oculta os meus segredos…
A comédia transmuda-se em tragédia:
– esta bala vai ser o meu ponto final!

CANÇÃO AO SOL E À VIDA

Está chovendo sol no jardim…
Eu penso
que o céu se desmanchou em luz
e vai inundar o mundo. . .
A manhã lembra um palácio de cristal e de ouro!
Pedras louras
rebrilham, no ar claro, como jóias!
As grandes rosas vermelhas
fulguram, como brasas ardentes,
sobre a alvura imácula dos lírios…
Vibram clarinadas líricas nas frondes!
E, em meio a este dilúvio de claridade,
eu passo, doido de alegria,
num êxtase deslumbrado,
entoando um hino ao Sol e uma canção à Vida!

PRESENTE DE FESTAS

Olhe, menina,
eu sou o seu Papá-Noel
– um Papá-Noel moderno,
sem barbas brancas e sem saco às costas,
e muito mais pródigo,
muito mais sentimental
do que o velhinho da lenda…

Deixe estar que eu passarei aí.
Não para botar brinquedos em seu sapato
(que eu não sou tolo!),
mas para dar a você,
na salva de rubi da sua boca,
o presente de festas dos meus beijos!

POEMA DA DISTÂNCIA

A Stênio Gomes

No coração do espaço
a noite acordou, com a sua mão de sombra,
as notas de ouro das estrelas.
E a imponderável música dos astros
veio descendo,
por uma escada trêmula de luz,
até o chão colorido do jardim.
Todas as rosas cantaram
pela voz ignota dos perfumes…

Foi aqui – eu me recordo ainda! –
que, numa noite assim,
à música sonâmbula das estrelas
mcebi tuas últimas carícias!
Na penumbra
o repuxo, tristíssimo, chorava…
Depois
a poeira violácea da saudade
escreveu, entre nós, o poema da distância…

FESTA DE PERFUMES

É uma festa de perfumes o jardim!
Bailam, no ar,
o odor das margaridas e dos cravos
e o aroma embriagador das rosas rubras.
Saracoteiam pétalas ao vento!
Da taça purpúrea do poente
o vinho de ouro do sol
transborda,
embriagando as flores da alameda…

E, dentro da tarde clara,
na festa de perfumes do jardim,
eu penso em ti,
minha boneca de rosa e de marfim,
no olor macio de teus lábios puros,
no cheiro sedutor de tuas mãos,
no doido aroma de teus selos brancos,
na festa de perfumes do teu corpo!

SILÊNCIO QUE FALA

Eu sei, minha boneca de rosa,
o quanto sofres
por não poderes dizer-me tudo
– tudo o que eu adivinho e que não dizes…

Consola-te, porém.
O amor, no silêncio, é mais puro e mais humano.

Há milhares de vozes gritando
nos meus olhos inquietos,
quando eu quero exigir o pecado de um beijo!

Para os meus ouvidos de poeta
existe uma divina melodia
na música interior do teu coração
– que escuto, em êxtase,
no silêncio eloqüente em que te escondes,
quando me queres dizer uma palavra de amor…

A QUE NÃO VEM

Hoje vive, dentro de mim,
a serenidade dos vales quietos,
das montanhas adormecidas
e dos longos desertos de miragens.

Esta beleza efêmera
das cidades metálicas,
que os teus olhos admiram, num encantamento,
não se compara nunca, minha amiga,
à beleza espiritual e perfeita
que acende estrelas de ouro
no infinito do meu ser.

Ah! se os teus olhos vissem
como hoje dorme tranqüilo o meu coração
dentro deste mundo transcendente e iluminado,
aberto, como um céu, dentro de mim.
Contemplando a minha vida subjetiva,
havias de pensar
que nem todos os homens são assim..

Um dia, bêbedo de emoção,
eu te mostrei um pouco
deste encantado mundo interior.
As tuas mãos ficaram frias.
O teu corpo ficou trêmulo.
E os teus olhos me fitaram,
numa adoração.

Foi o instante mais lindo de toda a minha vida!
Mas tinhas os olhos e os ouvidos profanos,
como todas as outras
que passaram no meu caminho…

Não pude unir nossos destinos diferentes…
Depois, partiste sem conhecer, ao menos,
a divina melodia do meu Amor.

E eu continuo esperando ainda
aquela que não vem…

O SONHO DA MENINA POBRE

A noite – milionária das alturas –
espalhou, pelo céu, as jóias das estrelas
e, pela terra,
as pedras luminosas dos pirilampos!

Sob o deslumbramento do luar
o repuxo é uma árvore encantada,
chorando folhas líquidas de prata…

Os caminhos alvos, alvos,
semelham colares de pérola,
apertando a cintura das montanhas.

…E a menina pobre,
diante do luxo e do fulgor da noite heráldica,
sonha aventuras e domínios,
como uma rica princesa de legenda…

O CANTO DO HOMEM TRISTE

Eu sou o homem que esconde,
dentro do coração
a angústia de todos os homens…

Meus olhos são negros
da treva interior que refletem,
e tristes
da amargura íntima do meu ser.

Minhas mãos trêmulas
foram feitas para cobrir os meus olhos
enquanto, diante de mim,
canta a vida vertiginosa,
trepidante
dinamica
– a vida que eu não posso viver!

Eu sou o homem de uma civilização longínqua
que os séculos guardaram,
para aturdir com o tumulto desta hora!
Nos meus sonhos nostálgicos
vejo desertos infinitos,
onde eu, de cajado e capa estendida ao vento,
tangendo rebanhos brancos como a lua,
vou cantando pastorais pelo crepusculo…
E, ao fim da jornada, encontro
uma mulher de olhos negros e raspados
que me traz,
num cântaro esquio como o seu corpo,
para matar a minha sede,
agua fresca e cheirosa como a sua boca…

Assim
eu não posso sentir o deslumbramento
deste inquieto instante universal
E cubro, com as mãos trêmulas, os olhos,
enquanto, diante de mim,
canta a vida vertiginosa,
trepidante
dinâmica,
– a vida que eu não sei viver!

TRANSFIGURAÇÃO

A Amá

Minhas mãos estão cheias
do perfume de tuas mãos.
Minha alma está toda impregnada
do aroma de tua alma
Vives, numa ânsia incontida,
nos meus nervos,
nos meus sentidos,
na minha vida.

Para o egoísmo do teu amor
não basta o sacrifício de mim mesmo.

Tua boca não pede, mas os teus olhos exigem
que o meu ser se torne uma lâmpada votiva,
queimando, eterna e viva,
no altar puríssimo do teu ser.
Sonhas, na tua exaltação sentimental,
dominar, feliz e única,
o país encantado do meu coração.
E eu me entrego,
para o holocausto sublime,
à tirania da tua adoração!

Acho tão doce e tão suave o sacrifício…

Não é aniquilamento – transfiguração!

HINO

Minha terra, de tanto chorar,
já não tem mais uma lágrima nos olhos…
Secaram todas as fontes da mágoa e da saudade.
Minha terra agora
vai cantar,
vibrar,
sorrir,
viver!

Eu descobri um ritmo novo
para a minha terra.
Sem deslumbramentos ingênuos.
Sem angústias líricas.
Sem soluços nostálgicos.

Na sua alma,
que é um labirinto misterioso,
tecido dos anseios e vertigens e terrores
de três raças românticas e tristes,
– eu quero despertar uma nova música,
ao som da qual ela toda vibrará,
numa sede de espaço,
de amplidão,
de infinito…

Meu ritmo novo
apontará novos destinos à minha terra!

E A MINHA TERRA FALOU

A Antônio Sales

Eu vivia feliz,
desconhecida e selvagem,
brincando com o sol e adornada de penas.
Um dia…
(A culpada de tudo foi lracema,
que tinha um coração
muito maior do que o meu!)

Os olhos azuis do estrangeiro
envenenaram a alma bárbara da índia.
Martim, que andava perdido na floresta,
ficou todo embevecido diante dela!

Descobriu, no corpo bronzeado da tapuia,
os segredos de uma raça belicosa e ardente…

E vieram muitos estrangeiros
em busca do guerreiro de tez branca.
Eles deixaram,
no sangue quente e puro de meus filhos,
a tara sentimental dos lusitanos…

Depois,
onde troavam outrora os maracás festivos,
apareceram guitarras e violas doloridas.
Ao batuque simbolico de meus bravos
sucedeu a dança arrastada e lúbrica
dos nostálgicos românticos da península…

Mas, eu me vinguei em Moacir
– o primeiro fruto impuro da minha raça!

Ele, que nasceu sob este céu e diante deste mar,
– céu que não se olvida nunca! –
– mar que ninguém nunca esquece! –
teve de ir dormir o último sono em terra estranha,
longe do calor maternal do meu seio…
Dizem que chorou muito, lá no exílio,
ao recordar o canto da jandaia…
Foi o primeiro cearense que imigrou!

Assim falou a minha terra.
……………………………………………..
E havia soluços estrangulados
na voz clangorosa e triste de minha terra!

OS ÚLTIMOS GUERREIROS

A Antônio Furtado

A legião verde-chumbo das carnaubeiras
semelha um exército selvagem
de índios de cocar verde
– os últimos guerreiros! –
olhando o horizonte longínquo,
à espera dos inimigos, que virão!

Na hora roxa do crepúsculo,
quando sopra o vento
e as suas palmas flabelam fortemente,
– eu tenho a impressão
de que o inimigo surge e a batalha começa!

Parece que as carnaubeiras,
índios de cocar verde
– os últimos guerreiros! –
sacodem flechas pontiagudas e certeiras
no coração rutilante do Sol.

Todo o horizonte cobre-se de púrpura. . .
E as nuvens caridosas se aproximam
– e vão limpando o sangue do astro morto…

QUANDO COMEÇOU O INVERNO

Nem uma nuvem pelo céu!

E os olhos ansiosos do caboclo
leram, na impassibilidade do infinito,
o terrível destino do cearense!
Chupou no cachimbo longamente
e, depois, lá se foi
pela estrada poeirenta,
assobiando qualquer coisa que dizia – Esperança!

Mas, noutra manhã, ao despertar,
o sertanejo escutou,
da sua rede de algodão,
a polêmica dos sapos na lagoa,
a cantiga da chuva nos caminhos
e o choro alegre dos rios nos grotões…
E quando, da porta de sua casa pobre
– para mim muito mais rica do que um templo! -,
ele viu a vegetação ressuscitando
e as árvores engalanadas de folhas verdes,
pôs a enxada no ombro,
beijou os filhinhos e a esposa
e seguiu para a roça, alegremente,
a cantar qualquer coisa que dizia – Felicidade!

(A terra molhada pela chuva
tinha o cheiro das mulheres do sertão…)

JAZZ-BAND DA FLORESTA

Hora de ouro e sangue da manhã.
A terra desperta
e sacode, para longe, o capuz negro da noite.

Fica toda nua
para receber o banho rútilo do Sol…

No palácio verde das frondes
começa o Jazz bizarro da floresta:
rubros campinas cálidos – clarinam!
– o canário – cornucópia de ouro –
derrama,

sobre a mesa de esmeralda das campinas,
moedas cantantes de cristal!
– a araponga,
que tem um malho e uma bigorna na garganta,
faz um estrépito ensurdecedor!
– sentimental boêmio das matas,
o bem-te-vi rebelde
põe uma nota excêntrica no jazz…
Cantam a graúna, o pintassilgo, a rola,
– todos os pássaros da floresta cantam!

É o jazz original das selvas de minha terra,
vibrante como sua alma! ardente como o seu povo!

O HOMEM QUE HÁ DE VIR

Rabindranath,
você conhece a minha terra?
É o pedaço mais ardente do Brasil.
Parece uma fornalha crepitando
no coração da América!
Os heróis do Paraguai,
os guerreiros indômitos do Acre,
os apóstolos mais puros da Abolição
saíram daqui, Rabindranath,
da minha terra,
do Ceará!

Tagore:
Eu sei o que você profetizou
sobre o destino da América do Sul:
você disse, Rabindranath,
que vai aparecer no Novo Continente,
nesses dez anos, talvez,
um homem extraordinário
– que assombrará o mundo!
Pois bem,
eu, que sou filho desta terra – fornalha,
onde se nasce lutando –
e onde se morre a lutar,
eu vou, Rabindranath,
profetizar também:
este homem extraordinário, que você sonha,
há de trazer, no coração, o calor deste sol!
Cantará, no seu sangue,
a coragem bravia do meu povo!
Este homem – símbolo
(estou certo!)
sairá daqui, Rabindranath,
da minha terra,
do Ceará!

DESESPERO

O sol caustica a face morena do Sertão!
A gente olha a estrada:
lá longe,
numa curva distante do caminho,
a caravana dos párias nômades aparece…
No olhar – trazem o doloroso desespero
das almas condenadas!
No corpo descarnado,
uns trapilhos que brilham, à luz crua do sol
– trágica ironia! –
dando a rica ilusão de mantos régios…

Por cima
o céu imenso e azul
é uma gargalhada cínica, sem riso…

Para não deixar nem lembrança do seu nome
o caboclo toca fogo na sua choça de palha
– e ei-la que vomita labaredas para o alto,
como um protesto rubro da raça infeliz
contra o destino mau que Deus lhe deu…
Depois, o homem rude,
sentimental como todos os cearenses,
fecha os olhos e sonha:
diante dele a boiada muge satisfeita,
o rio murmureja, rumoreja,
os pássaros estridulam alegremente,
de mistura com a voz flébil da cabocla
e a alegria festiva de seus filhos!…
E o milharal ondula, a refulgir,
cantando um hino de esmeralda e de ouro!
Mas,
quando o homem rude abre os olhos,
vê a realidade:
a mata em fogo!
a terra em fogo!
o céu em fogo!

E ele verga o joelho, vencido,
chorando sobre a terra desgraçada
onde nasceu… Terra da maldição!

Ah! que ele ficaria ali chorando, eternamente,
contanto que a chuva de suas lágrimas
ressuscitasse a glória do Sertão!

LUNDU AFRICANO

A Aderbal de Paula Saies

“Na terra distante da Núbia,
onde o sol queima como no sertão do Ceará,
ela ficou, meu branco,
adorando este quadro,
que a sua retina guardou por toda a vida:
– uma nau de velas brancas ao vento bravo
– onde eu ia debaixo de correntes –
a se perder entre o horizonte e o mar…”

E o velho negro africano,
que durante meio século fora escravo,
curvava a fronte,
contando a sua história
tão negra como a sua pele…
A sua carapinha branca,
muito branca,
semelhava a lua límpida e mansa,
aclarando o pretume lúgubre da noite…

Havia
na sua voz trêmula e cansada
a tristeza e a doçura
de um bárbaro lundu
da terra trágica de Cham!

Amou, um dia, o preto velho…
Tinha, talvez, vinte anos bem nutridos.
Nesse tempo, ele trabalhava satisfeito
– e o seu corpo reluzia, ao sol,
envolto no óleo amargo do suor…
Mas era feliz:
havia alguém que o aconchegava ao seio,
contando-lhe histórias lindas e amorosas.
Ela era preta, retinta como ele,
mas também tinha, como o pobre negro,
um coração alvo
como os seus cabelos, na velhice…

Todas as noites
o velho africano
contava aquela história dolorosa,
como quem reza uma prece:
– “Olhe, nhonhô:
se ela não morreu,
garanto!
Juro que ainda hoje,
toda enrugada e de cabelos brancos,
ela vive, coitada
– na terra distante da Núbia -,
adorando, num enlevo,
este quadro,
que os seus olhos guardaram por toda vida:
… uma nau de velas brancas ao vento bravo,
– onde eu ia debaixo de correntes –
lá – longe,
a se perder entre o horizonte e o mar…”

CARNAVAL DO INFINITO

A tarde era de inverno…
Contudo passava, triunfalmente,
lá na avenida roxa de crepúsculo,
o áureo carro alegórico do Sol!
Nuvens vestidas em negros dominós
caminhavam como bêbedos, sonhando…
Rufava, ao longe, o tambor forte dos trovões,
sacudindo o coração da natureza.
Tremebrilhavam pelos paços do Infinito
as lâmpadas inquietas dos relâmpagos…
As serpentinas policrômicas do arco-íris
enroscavam-se aos corpos trêmulos das nuvens.

Daí a pouco,
como de imensos palácios invisíveis,
começou a cair,
em gotas claras de cristal diluído,
o cloretil finíssimo da chuva…
enquanto, além, surgia lentamente
o pierrô sonâmbulo da noite
que trazia, nas suas mãos de veludo,
– para o carnaval do espaço –
o confete dourado das estrelas…

BRASIL

Meio-dia brasileiro!
Céu dourado!
Árvores douradas!
O sol esplende, vitoriosamente,
derramando áureas ondas de luz pelos caminhos…
Meu Brasil, ao meio-dia, é um templo de ouro!

Noite brasileira!
A lua prateia a face verde do oceano…
O Cruzeiro
– é um emblema de jaspe luminoso!
Ah! meu Brasil, à noite é uma joalheria!

Minha Pátria!
eu te vejo inundada de luz!
Brasil! és um diadema rútilo de astros,
coroando a América do Sul!