Poeta e Educador

Antologia Poética

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VERSOS COR-DE-ROSA

Sempre que de meu livro te aproximas,
pedes, num riso, trêmula e nervosa:
– Mostra-me, aqui, os versos cor-de-rosa
do teu tesouro rútilo de rimas.

A minha mão te aponta, pressurosa,
versos de amor… E, em febre, tu me animas
com o calor desta boca saborosa
como as uvas no tempo das vindimas.

Nos poemas, ante os quais eu fico mudo
(todo verso de amor tem seu segredo…)
queres , aflita, a explicação de tudo.

De repente, num beijo, estremecemos!
nossos lábios se falam quase a medo…
são versos cor-de-rosa que dizemos!

RENÚNCIA

Eu não devia ter-te amado tanto…
Agora – é tarde para te esquecer.
Mas quando um grande amor se enche de pranto,
olha: a renúncia é quase que um dever:

Renúncia é sacrifício e desencanto…
que me faz grande e que te faz sofrer.
Renuncio a este amor profundo e santo,
É o holocausto de um ser a um outro ser!

Foste o afeto maior da minha vida.
Vou deixar-te. É o destino. À alma dorida,
não mais os sonhos lindos voltarão.

Renúncia é sofrimento, angústia e treva.
É um coração que o seu altar eleva
por sobre as ruínas de outro coração…

SAMARITANA

Foi apenas um beijo. E a um beijo apenas
toda a minha alma lírica e profana,
ali, por entre as rosas e as verbenas,
ficou cheia de ti, Samaritana!

Nunca mais o esqueci. Mágoas e penas
fugiram-me, depois, na luta insana.
Teu beijo fez-me as horas mais serenas
e a vida mais suave e mais humana.

Inda lhe sinto os cálidos ressábios.
Foi o vinho do amor, que me serviste
no cântaro rosado dos teus lábios…

Faz tanto tempo! E hoje, afinal, sozinho,
daria tudo o que em minha alma existe,
por uma gota só daquele vinho…

AQUELA CARTA

Tua carta diz assim:
“Devolvo aquilo que me deste um dia:
versos, cartas de amor e tudo, enfim,
em que há um pouco da tua fantasia
e muito de nós dois, de ti, de mim…”

Mas nesta carta amargurada e fria
uma frase de mística ternura
vem, depois:
“Agradeço, porém, toda a doçura
com que encheste a minha alma de alegria,
para a glória do afeto de nós dois.”

E chego ao fim – que sabe a espinho e a rosa,
que é minha glória e meu tormento:
“Esquece a nossa história dolorosa,
ou guarda, do seu grande encantamento,
uma lembrança suave e carinhosa,
pois eu te quis imensamente, um dia…”

Não te posso esquecer. Viverás na minha alma
como o sol numa tarde, sem poesia…
Dobro a carta, chorando. E a minha dor se acalma
ao pensar, no crepúsculo de seda,
(enquanto, pelo azul, nuvens roxas se adensam…).
que não terás de mim o mais leve rancor…
A tarde cai como uma bênção
de ouro e de cinza no silêncio da alameda.
…………………………………………………………………….
É muito triste o fim de um grande Amor!

CANÇÃO DOS QUE SOFREM

Quando a essência das coisas investigo,
nas minhas horas de concentração,
reconheço que o sonho é o meu castigo,
pois ninguém vive só do coração.

Sofro. Mas ponho sempre no que digo
um pouco de beleza e de emoção.
A arte é um doce veneno, meu amigo,
que somente os eleitos provarão.

Dedico esta canção aos revoltados,
a todos os artistas torturados
que sonham, por destino ou por dever.

E vão, incompreendidos, pela vida,
sentindo, entre os reveses da subida,
a glória de sonhar e de sofrer!

CASA ABANDONADA

Leio o letreiro: – Aluga-se esta casa.
E ela viveu, aqui, risonha e bela,
como num quadro antigo de aquarela,
a cuja evocação meu ser se abrasa,

No deserto jardim, nem mais uma asa
de borboleta o roseiral constela.
E, ante o letreiro triste da janela,
de meus olhos o pranto se extravasa.

Recordo os nossos tímidos segredos…
Morrem lírios, em torno da calçada,
à míngua da carícia de seus dedos.

Tudo passou: o encanto, o amor, a glória…
A história desta casa abandonada
ainda é mais triste do que a minha história!

DESESPERO

O sol caustica a face morena do Sertão!
A gente olha a estrada:
lá longe,
numa curva distante do caminho,
a caravana dos párias nômades aparece…
No olhar – trazem o doloroso desespero
das almas condenadas!
No corpo descarnado,
uns trapilhos que brilham, à luz crua do sol
– trágica ironia! –
dando a rica ilusão de mantos régios…

Por cima
o céu imenso e azul
é uma gargalhada cínica, sem riso…

Para não deixar nem lembrança do seu nome
o caboclo toca fogo na sua choça de palha
– e ei-la que vomita labaredas para o alto,
como um protesto rubro da raça infeliz
contra o destino mau que Deus lhe deu…
Depois, o homem rude,
sentimental como todos os cearenses,
fecha os olhos e sonha:
diante dele a boiada muge satisfeita,
o rio murmureja, rumoreja,
os pássaros estridulam alegremente,
de mistura com a voz flébil da cabocla
e a alegria festiva de seus filhos!…
E o milharal ondula, a refulgir,
cantando um hino de esmeralda e de ouro!
Mas,
quando o homem rude abre os olhos,
vê a realidade:
a mata em fogo!
a terra em fogo!
o céu em fogo!

E ele verga o joelho, vencido,
chorando sobre a terra desgraçada
onde nasceu… Terra da maldição!

Ah! que ele ficaria ali chorando, eternamente,
contanto que a chuva de suas lágrimas
ressuscitasse a glória do Sertão!

CARNAVAL DO INFINITO

A tarde era de inverno…
Contudo passava, triunfalmente,
lá na avenida roxa de crepúsculo,
o áureo carro alegórico do Sol!
Nuvens vestidas em negros dominós
caminhavam como bêbedos, sonhando…
Rufava, ao longe, o tambor forte dos trovões,
sacudindo o coração da natureza.
Tremebrilhavam pelos paços do Infinito
as lâmpadas inquietas dos relâmpagos…
As serpentinas policrômicas do arco-íris
enroscavam-se aos corpos trêmulos das nuvens.

Daí a pouco,
como de imensos palácios invisíveis,
começou a cair,
em gotas claras de cristal diluído,
o cloretil finíssimo da chuva…
enquanto, além, surgia lentamente
o pierrô sonâmbulo da noite
que trazia, nas suas mãos de veludo,
– para o carnaval do espaço –
o confete dourado das estrelas…

ARTISTA

Gosto das cousas límpidas e raras,
que enchem de encantamento os meus sentidos
Raça! não me entorpecem tuas taras:
sou um grego dos tempos esquecidos…

Cercado embora de ferrenhas caras,
de almas e corações empedernidos,
adoro os céus azuis e as águas claras,
cujos sons adormecem meus ouvidos.

Cultivo ideias e apascento estrelas.
Jardineiro e pastor – em sonhos e ânsias,
procuro, no meu cérebro, acendê-las.

Podeis rugir, ó bárbaros! Dispersos,
no meu jardim de excelsas rutilâncias,
eternamente cantarão meus versos!

A CIGARRA E A FORMIGA

Passada a quadra invernosa,
de sofrimento e expiação,
a cigarra desditosa
vai gozar outro verão.

O ouro do sol espadana
pelos vales e campinas.
Toda a terra se engalana
de fulgurâncias divinas.

Oue alegria, que algazarra,
aos resplendores do dia!
É que, de novo, a cigarra
fretine, canta, zizia. . .

A burguesa da formiga
vê então que a sorte é vária
Tem inveja da cantiga
da cigarra proletária.

Ouem lhe dera aquele canto,
que todo mundo aprecia,
para encher o seu recanto
de música e de alegria!

E, à porta do formigueiro,
onde a fartura se abriga,
ela, passa o dia inteiro
bebendo aquela cantiga. . .

Fala à cigarra – a formiga,
que de vergonha se cobre:
– De nós duas, minha amiga,
eu sou, decerto, a mais pobre.

De que me serve o celeiro
em tempos fartos e bons?
Você, se não tem dinheiro,
é milionária de sons!

E eu negar – oh! que tristeza!
um simples naco de pão
a quem possui a beleza
sonora deste verão.

Que inveja ao vê-la, taful,
cantando, pelo arrebol,
na glória do céu azul,
dentro de um raio de sol!

A cigarra não responde
à vil formiga vulgar.
Porém, no verde da fronde,
põe-se, mais alto, a cantar!

POEMA DO MEU BRASIL

Brasil! os teus poetas te amam
porque és forte,
porque és belo,
tanto na vida como na morte!

Os guerreiros de minha Pátria
ou morrem, de pé, no fogo das trincheiras
(e vão assim, de pé, vestidos de chamas,
para a transfiguração da história),
ou voltam sorrindo,
ou regressam cantando,
com a bandeira da Pátria enfeitada de glória!

Brasil! os teus poetas te amam
porque todas as luzes e cores e ritmos e aromas
que bailam.. numa sarabanda alucinada,
dentro do coração dos teus poetas
– vem de ti:
do teu cheiro puro de terra adolescente,
da pompa nupcial das tuas cachoeiras,
do mistério azul do teu céu florido de estrelas,
do candor vegetal das tuas florestas virgens,
da eternidade dos teus rios que não param nunca,
da ânsia de tuas serras que não se cansam de subir,
e da tua Raça
que tem o destino inquieto de teus rios
e o ímpeto ascensional de tuas montanhas!

Brasil! os teus poetas te amam
porque, sem ti,
sem o teu perfume,
sem o teu ritmo,
sem o, teu sangue
– eles não teriam músicas na alma
e não seriam Poetas!

Toda a poesia do universo
vive em ti, refulge em ti, em ti se encerra.
Brasil! és uma harpa vibrando
no coração do terra…

RITMO ESSENCIAL

Quando eu passar no espaço e ficar no tempo,
outros homens andarão
pelos mesmos caminhos que percorri,
pensando o que eu pensei,
amando o que eu amei,
sofrendo o que eu sofri…

Mas nenhum tirará
da pauta musical da existência
a mesma nota do ritmo essencial
que eu faço destacar se, nítida e pura,
dentro do pandemônio universal!

ANGÚSTIA

Senhor!
que angústia me causa a maldade dos homens,
dos homens que estão fazendo inveja às feras,
aos lobos, às hienas, às panteras,
pelo ódio, pela sede de sangue que os dominam,
pelos instintos bárbaros que revelam,
matando-se, comendo-se, devorando-se uns aos outros,
como se não tivessem dentro da alma
um pouco de Ti, da tua luz eterna, Senhor!

PEREGRINO

Meus passos vão-me levando a um caminho sem fim:
o horizonte se estende, de lado a lado,
como um abraço infinito do infinito
para o peregrino que avança,
o peregrino que vai em mim.

Vejo árvores carregadas de frutos multicores,
e não tenho desejo de prová-los,
porque minha fome é de frutos eternos.
Vejo campos semeados de flores
e não aspiro o perfume de suas pétalas,
pois o que eu quero sentir
é o aroma das coisas que não passam.

Vejo regatos de águas virgens
que tentam, cantando, a sede dos passantes:
não vou beber da linfa sonora e pura,
porque somente saciaria a minha sede
a água viva das fontes que não secam nunca.

Vou em busca do Absoluto
sou o Peregrino das distâncias…

DUAS VIDAS

Quem sonha traz a alma em flor.
Quem sonha tem duas vidas:
a de todos, pequenina,
trivial,
inferior,
– e a outra, a vida iluminada
do seu mundo interior,
muito mais bela,
muito maior.
Quem sonha traz a alma em flor…

O POEMA DO MEU FILHO INOCENTE

Ao Rui

Ele está sorrindo todo nos olhos…
nos seus olhos virginais
que ainda não vêem o que nós vemos no mundo.

Um dia,
a vista pura de meu filho surpreenderá
o perfil de todas as coisas,
a anatomia polimórfica da vida.

E ele terá também gestos de revolta,
gritos de ódio,
ímpetos de luxúria
e fome de pecado!

Se eu pudesse eternizar a inocência de meu filho
seria um deus!

EXORTAÇÃO AO HOMEM PRÁTICO

Homem prático,
que passas correndo pela rua,
contém o passo – que o teu esforço é inútil.
Olha que eu sigo ao teu lado,
calmo, sereno, devagar,
com os olhos cheios de paisagens,
os ouvidos bêbedos de música,
e a mente enflorada de sonhos…

Vê bem: por mais que te apresses,
por mais que avances,
nunca me vencerás nesta corrida.
Bem sei que és forte – mas eu também sou forte!
Depois, só há um ponto de partida: a Vida.
Só existe um ponto de chegada: a Morte.

E enfim, sobre o caminho percorrido,
tu, homem prático, deixarás apenas
o pó que levantaste do solo
com as tuas passadas estrepitantes.

É eu? Ah! eu deixarei pouco de mim mesmo
sobre os cardos,
sobre as pedras,
para tornar mais suave a caminhada
dos que vierem depois de mim…

POEMA DO MISTÉRIO DO SER

Cientistas, que investigais, noite e dia, o mistério da Vida.
Filósofos, que procurais desvendar o sentido da existência.
Poetas, que buscais, ansiosamente,
a fonte oculta do destino
na própria fonte de vosso coração
– cientistas, filósofos, poetas -,
viveis sonhando um sonho impossível
na vossa mísera condição humana
de seres materiais e efêmeros,
brincos do tempo,
bolhas de sabão da eternidade…

Cientistas!
Filósofos!
Poetas!
Bendito seja o Mistério!
O mistério é que faz de cada homem,
não uma sombra que passa,
imprecisa, tênue, indefinida,
mas um ser dentro do Ser,
um mundo dentro do Mundo,
uma vida dentro da Vida.

POEMA DO VENTO

O vento está doido!
o vento está doido!
As árvores não fogem
porque não têm pés. . .
O canavial se deita
com medo do vento.
Ah! se os coqueiros pudessem
galgar as nuvens
e escapar do vento,
abrigados no céu!

E o vento vergasta as plantas,
corre atrás das folhas,
levanta o pó da terra,
assovia nos lajedos. . .
O vento enlouqueceu!
o vento enlouqueceu!
o vento está em pé de guerra!

E o vento que vem do Ocidente?
e o vento que vem do Oriente?
Escuro de pólvora,
úmido de lágrimas,
tinto de sangue,
vento da Desgraça,
vento da Morte!

Os homens que têm pés,
por que não fogem?
Os homens que podem andar,
por que não correm?
Mas o vento vem de todos os lados:
vem do Sul e vem do Norte,
vem do Oriente e do Ocidente,
vem do Atlântico e do Pacífico,
de todas as terras,
de todos os mares. . .

Vento louco! vento homicida!
Traz luto nas asas longas,
traz pranto nos olhos cavos,
traz sangue nas mãos compridas.
E os homens, por que não fogem?

E os homens, por que não correm,
para escapar do vento,
deste vento tão forte,
que vem do Ocidente,
que vem do Oriente,
que vem do Sul
e que vem do Norte?
Vento da Desgraça!
vento da Morte!

Fugir para onde?
fugir para onde?

IRMÃOS: NÃO BEBAM DESTA ÁGUA?

O vento uiva nas estepes…
O vento é um grito de pavor da terra,
diante dos homens ensandecidos.
Ah! os homens não se dão mais as mãos,
como irmãos.

Pobre Jesus,
que morres, eternamente, numa cruz!
Vês, pelos campos brancos de neve,
a correr, a correr, este rio de sangue?

(Os rios de Deus têm águas claras e transparentes…)

Não! O rio que vês, como uma fita vermelha,
a correr, a correr, através das estepes,
é feito do sangue das tuas criaturas, Senhor!

Não bebam desta água! não bebam desta água!
Ela é quase quente como a Vida.
Ela é escura como a Morte.

Não bebam desta água!
Ela não mata a sede:
antes aguça a sede de vingança…
Este rio vermelho causa horror!
Irmãos! não bebam desta água!
Esta não é a água do Senhor!

EM LOUVOR DA ENFERMEIRA

Ó homens que lutais, de armas nas mãos,
em defesa, da própria humanidade,
pela vossa liberdade
e a de vossos irmãos!
Vede: alguém está seguindo os vossos passos,
com o mesmo ânimo varonil,
mas leva um coração feito em pedaços,
em lugar de uma espada ou de um fuzil…
É a enfermeira de guerra do Brasil!
É soldado também; quando peleja
não há ninguém que mais valente seja
ou que revele espírito mais forte,
em face do infortúnio
ou diante da Morte!

Ruja o avião pelo espaço, ameaçador,
haja gritos de angústia ou soluços de dor,
ela, em sua trincheira – o lúgubre hospital –
permanece de pé serenamente,
heroicamente,
e, se um estilhaço o coração lhe fere,
morre, fitando a imagem de Ana Néri,
– a heroína imortal!

Seu amor à humanidade é tão profundo,
que não tem inimigos neste mundo… ,
Se é criatura de Deus,
venha de onde vier,
seja quem for,
terá em suas mãos um cântaro de amor.
Mas se o ferido traz, sobre o Deito, estampada,
em ouro e esmeralda,
a imagem do Brasil – nossa linda Bandeira,
oh! que estranho clarão há no olhar da enfermeira!
Em cada gesto põe um mundo de carinho
e, baixinho,
canta um doce acalanto, docemente,
como a mãe que embala um filho doente,
para fazê-lo adormecer…

E, de dia, não come! e, de noite, não dorme!
enquanto espera (que emoção enorme!)
que ele possa, de novo, combater
pela luz, pelo céu e pela terra
que, um dia, os viu nascer,
a ele – soldado varonil,
e a ela – enfermeira de guerra
do Brasil.
Anjo! Santa! Heroína! Mãe!
Filha da Caridade, irmã do Amor!
Que por família tens a Humanidade inteira,
ó sublime Enfermeira,
eu beijo as tuas mãos em sinal de louvor!

BRASIL DOS MEUS AVÓS

Brasil dos meus Avós,
acorda!
Vem trazer-nos o ardor que rugia e cantava
no peito de teus filhos de outras eras,
de Caxias, Osório e Tiradentes,
dos heróis de ltororó e Tuiuti,
que rolaram no pó, rubros de sangue,
com o coração e o pensamento em Ti!

Brasil dos meus Avós,
ressurge, dentro em nós, nesta hora extrema!
Inspira-nos um cântico,
marcial e romântico,
que seja como a nova Marselhesa
da pátria de Peri e de lracema.
Faze que cada brasileiro, neste instante,
lembre o velho cocar, o vetusto diadema,
a tremular, medievalescamente,
na fronte heril dos teus guerreiros selvagens,
guerreiros mais humanos e sensíveis _
do que os homens maus do Velho Mundo
que, irrompendo do céu ou do fundo do mar,
matam mulheres, velhos, paralíticos,
tão-só pelo desejo infame de matar…

Brasil dos meus Avós,
dá-nos aquela mesma galhardia
dos teus veros heróis das matas virgens,
que marcavam a hora dos reencontros bélicos,
à plena luz do dia,
e cumpriam a palavra dada,
como coisa sagrada,
sem dissimulação nem covardia…

Brasil dos meus Avós,
– eu bem o sinto! –
estás dentro de nós!
Daí o ímpeto bravio do meu povo,
este estranho fremir da minha gente,
partindo a defender o Mundo Novo
do bárbaro assassino do Ocidente,
daquele monstro que, sanguissedento e vil,
trucidou, de emboscada, as tuas crianças
– rumorejante enxame de esperanças
que buscava um futuro cor de anil…
Neste momento de ressurreições,
– eu bem o sinto! –
estás dentro de nós, Brasil dos meus Avós,
sincero, puro, másculo, viril,
tu, que és o Brasil de hoje e de sempre,
– o imortal Brasil!

NATAL DE SANGUE

Natal! Que noite negra!
A estrela do Pastor já não brilha no céu…
Mas das nuvens caem
fogos que incendeiam
e chamas que devoram.

Natal! Que noite triste!
O sino não repica,
a ovelha não bala,
os anjos não cantam,
a terra está erma de harmonias…
Mas enchem o ventre negro da noite
o ribombar dos canhões
e o tatalar de asas lúgubres
dos corvos metálicos…

Natal! Que noite trágica!
Natal das crianças órfãs de Stalingrado,
Natal das mulheres sem marido de Lídice.
Natal das virgens sem amor de Singapura,
Natal dos homens sem liberdade
dos campos de concentração.
Natal das igrejas sem Deus,
das sinagogas sem mestres,
das multidões sem alma,
dos povos sem destino,
da vida sem sentido e da morte sem causa!
Natal de sangue!
De sangue que aterra:
– sangue nos ares,
sangue nos mares,
sangue na terra!

Natal! que fizeste do menino
que trazia o Amor nos lábios,
a Paz nos gestos
e, na palavra,
o Caminho, a Verdade e a Vida?
Natal! por que a Estrela se apagou no céu?
Por que a voz do sino se extinguiu no espaço?
Por que os Magos se extraviaram no deserto?
Por que não vemos mais a manjedoura de Belém?

Ah! os homens perderam o endereço de Deus!

Ah! os homens estão caminhando
para o abismo sem fim do sem fim…
Natal! Natal!

Dezembro de 1943

CEARÁ

Ceará!
quando eu te sinto integrado no meu ser,
vibrando na minha alma,
palpitando no meu coração,
vivendo na minha vida,
— vejo passar, diante dos meus olhos,
e o teu drama de dor e de heroísmo,
envolto no perfume da índia virgem
e tinto do sangue heróico de Tristão!

Minha terra!
eu me ajoelho, comovidamente,
em face do teu grande sacrifício,
ao contemplar te coroada de espinhos,
braços abertos,
cravejada no Sol — que é a tua cruz.
Mas as tuas chagas reluzem como astros,
porque teu sangue se transforma em luz!

Ceará! estrela candescente riscando a noite da escravidão!
Ceará! berço de todos os sonhos de Liberdade!
Hás de sofrer tanto ainda
e brilhar tanto,
que, um dia,
povos estranhos, em delírio,
verão todo o Brasil, pompeando em glória,
Iluminado pelo teu amor,
incendido pelo teu exemplo,
transfigurado pelo teu martírio!

BANDA DE MÚSICA

A banda de música da minha terra natal,
nos meus tempos de menino vagabundo,
era a banda de música mais original
que havia neste mundo.

Mestre Bezerra, o “maioral” da banda,
metido em sua farda branca reluzente,
lá na frente,
musicalmente,
como um príncipe negro da Loanda.

Ele tocava um instrumento enorme,
desconforme,
que o envolvia da cabeça ao tronco,
qual
uma cobra amarela de metal,
cuja boca se abria para a gente,
ameaçadoramente…
Era um bombardão que nos falava assim,
em meio a um clássico e monótono dobrado,
sempre no mesmo som
sem tom
tão bom:
prom… prom…
prom… prom…

O mulato da requinta, espiritual,
requintava
num finísslmo requinte musical.

Mas o pistão estralejava.
gritava,
escandalizava!…
E o bombo
com o lombo
já bambo
num ribombo
de trovão:
tum-bum-bão!
tum-bum-bão!

………………………………………………………..
Já vai tão longe, tão longe…
Mas ainda hoje eu escuto, emocionado,
nos recessos profundos do meu ser,
a melodia indefinida e mansa
do velhíssimo dobrado
que embalou os meus sonhos de criança.
E, diante da infância que passou,
a distância afinal me persuade
de que aquela banda de música pequenina
era, naquele tempo, tão harmoniosa
quanto hoje, ouvida assim, através da saudade…

BEM-VINDO SEJA

“Bem-vindo seja o estrangeiro à cabana de Arakém,
pai de Iracema.”

José de Alencar

Homem do Sul,
que pisas pela primeira vez a minha terra,
não tenhas medo do Sol nem receio do mar…

O mar é assim bravo e assim violento,
porque guardou, no seu seio imenso e verde,
as imprecações, os brados, os soluços
de todos os párias anônimos
que morreram de fome nos caminhos,
dentro da mesma pátria em que nasceste!

O Sol é forte e claro
como a nossa alma de bronze e de cristal,
que resiste, sem esmorecer jamais,
a todos os embates do Destino
e que, às vezes, reflete,
nas suas faces múltiplas,
a festa das sete cores do arco-íris…

Esperamos mais de um século por ti!
E vimos, tanta vez,
o céu carregar-se de chuva
e a água toda perder-se, para sempre,
no declive das várzeas infinitas
como o próprio infortúnio desta Raça…

Depois,
eram dramas de dor e de sol
que os nossos pés, sangrando, retrançavam
nas estradas sinuosas como serpes,
onde, macabramente, rebrilhava,
à luz assassina do meio-dia,
o ornamento sinistro das caveiras.

Homem do Sul,
ouviste, enfim, o nosso grito?!
Faz cem anos que clamamos assim!
Mas podes aproximar-te, sem receio,
porque, se alguma vez, num gesto de revolta,
levantarmos o braço, em sinal de vingança
– uma voz doce e triste cantará no nosso sangue -,
ó homem do Sul!

com a mesma ternura
com que cantou, há mais de quatro séculos:

 “Bem-vindo seja”…

TITÃ

“Dizem que, nesse longo trajeto do sertão pernambucano a Minas, não
pronunciou o Capitão mor uma palavra, sequer…
Durante meses e meses não acreditou o povo, no Cariri, na morte de
Filgueiras, símbolo de coragem e de vigor. Criam que ele, quando menos
esperassem, haveria de voltar, vitorioso e sereno, tal como sempre o viram na
paz do seu engenho ou nas guerras da Independência e da República do
Equador.

(Irineu Pinheiro – “José Pereira Filgueiras”)

José Pereira Filgueiras!
Meu trisavô destemeroso e rude!
Eu escuto, desde criança, o teu nome de guerra:
aprendi, muito cedo,
a apontá lo aos outros como um brasão,
como legenda heróica e marcial do meu sertão.

Guerreiro selvagem
— Napoleão das matas,
Aníbal das caatingas —,

tu foste bem o capitão mor do Brasil antigo,
afundando a terra com os tacões de tuas botas,
matando touros com a clava de teu braço,
rijo como barra de aço,
libertando Caxias do Fidíé lusitano,
acordando os sertões
ao ronco de teu bacamarte,
e arrastando o Crato inteiro, o Ceará todo,
para as procissões da Liberdade,
nas antemanhãs sangrentas da República!
1824…
Vejo-te, destemido e leal,
à frente do teu indômito batalhão,
a entrar na velha vila de Fortaleza,
tendo ao lado o apóstolo Tristão.

Vejo-te preso, a caminho da Bahia.
Por ordem do Imperador, a quem tanto amaste!
Por ordem do Imperador, a quem tanto serviste!
Por ordem do Imperador…
Como ias triste!

Nesta jornada final para a morte,
foste mais bravo e mais digno do que nunca.
Ninguém arrancou uma palavra sequer
do teu silêncio brônzeo de estátua,
do silêncio que foi a tua mortalha de granito,
do silêncio que ninguém rompeu,
que ninguém entendeu,
mas que era um hino vibrante,
clangorante,
estrepitoso
viril,
— pela liberdade do Brasil!

MENSAGEM DE ESPERANÇA

Aos heróis da jangada São Pedro
Jangadeiro Cearense!
leva na tua impávida jangada
a mensagem de esperança
do brasileiro do Norte ao brasileiro do Sul.
Conta lhe a tua história alucinante,
a história da tua vida móvel e intensa
sobre um mundo que muda a cada instante
– mundo de águas e águas verdes e revoltas –,
em busca de pão para teus filhos,
para os teus filhos que não têm escolas,
para os teus filhos que não têm brinquedos,
para os teus filhos que não têm saúde…

Conta bem alto o teu drama, jangadeiro,
para que a tua voz chegue ao cimo da montanha.
Mas fala com a voz enérgica das vagas,
com a força e o ímpeto das ondas.
Contempla o Sol de frente,
como um descendente legítimo do Sol.
Se te curvares, seja como a onda:
ela, ao cair, levanta se mais forte,
ruge mais alto, empina se e estrondela.

Pede o que te negaram, jangadeiro,
em século de dor e escravidão,
a ti, que deste, ao Brasil todo,
a luz da redenção.
Se o homem do Sul te ouvir e sentir o teu drama,
como de alguém que possui
o mesmo passado, o mesmo sangue, a mesma Pátria,
poderás chamá lo, enfim, de irmão,
e mesmo, em despedida,
deixar lhe o coração…

Mas se ele se fizer surdo aos teus reclamos,
volta, na tua jangada aventureira, e heróica,
aos verdes mares que ti viram criança,
volta — e vem contar a tua odisséia aos que ficaram.
Volta — e vem recomeçar o teu trabalho insano,
a tua luta titânica e viril,
com a alma cheia, de amargura,
o corpo cheio de cansaço,
e o coração ainda mais cheio do Brasil!

Fortaleza, setembro de 1941.

BALADA DOS SINOS

Sinos da velha Igreja do Coração de Jesus!
Sinos que povoaram de sons a minha, infância,
sinos que me ensinaram a fazer versos…

E quantas vezes! como consolaste
ao vir da escola, com a cabeça cheia
de sonhos, de cantigas e de rimas…

E quantas vezes! — como consolaste
a minha alma ferida, consumida
por um desses imensos dramas pequeninos
de uma pobre criança incompreendida…

Depois, em tardes claras e tranqüilas,
escutei vosso canto como em êxtase,
sob os impulsos matinais do amor…
Adolescente, naquela idade lírica e ansiosa,
em que — sino também — vibrava o coração,
era tudo aos meus olhos cor de rosa
e aos meus ouvidos tudo era canção!

Sinos da velha Igreja do Coração de Jesus!
Os olhos fecho, ouvindo os agora,
para sentir me novamente criança
e reviver as emoções de outrora…

Sinos que anunciais o fim do dia!
sinos que acordais, para a prece, a cidade!
volta com outros a infância,
para alguns a velhice vem chegando…
Pra vós, não existe tempo nem distância.
Sinos! vós tendes sempre a mesma idade!
E despertais, assim, nos vários corações,
como um eco das vossas vibrações,
um canto de esperança ou de saudade…
Repicai! bimbalhai!
sinos da Igreja do Coração de Jesus!
Sinos novos? sinos velhos?
Sempre os mesmos, os mesmos sinos
matutinos,
vespertinos,
argentinos,
cristalinos,
divinos,
sinos,
sinos,
sinos..

FORTALEZA

Filha do Sol! filha do rei! princesa!
é de estrelas teu mágico diadema!
Não tens o sangue azul, mas, com certeza,
descendes de uma deusa, que é Iracema.

E vem da tua olímpica realeza
o radioso esplendor e a graça extrema
que te fazem, querida Fortaleza,
tão bela e musical como um poema!

Teu verde mar, como um jardim, florindo
em velas brancas no horizonte infindo…
E o coqueiral que ostenta, ao Sol, a palma…

— São teus feitiços de que sou cativo …
É a tua alma, cidade! E nela eu vivo,
como tu vives dentro da minha alma!

CHOVE NO CEARÁ

Chove na minha terra!
Chove no Ceará!
Tudo é verde para a volúpia dos olhos
e as águas cantam para gozo dos ouvido.
Há delícia, prazer e encantamento,
há festa para todos os sentidos!

Chove na minha terra!
Chove no Ceará!
O Sol é um amante que se esconde,
para tornar-se mais amado, ainda.
E o cearense, com a sua alma de girassol,
Abençoa a chuva, acaricia a chuva,
mas pensa no Sol, tem saudades do Sol…

Chove na minha terra!
Chove no Ceará!
Os açudes erguem músculos de pedra,
para conter as águas desencarceradas,
as águas desacorrentadas,
que saltaram montes,
Estrangularam árvores,
vararam grotões, em disparada louca,
e chegam, enfim, cansadas,
fatigadas,
deitando troncos e espuma pela boca…

Agora, aos olhos que choraram tanto,
uma paisagem nova se descerra,
enquanto
a chuva rola,
como um pranto
que erra
pela face de um santo
ou de um herói que triunfou na guerra.
Pela face de alguém
que venceu o destino, vence e vencerá!
Pela tua face, minha terra!
Chove no Ceará!

LÍNGUA NACIONAL

Língua dos canoeiros e seringueiros da Amazônia,
florindo em sonoros vocábulos indígenas,
cantando na insistência das vogais:
uiara… pororoca… uirapuru…
Língua dos vaqueiros românticos do Piauí,
enchendo as grotas de aboios tristes e longos:
ecôôô… mansôôô…
Língua rimada, dos violeiros do Ceará,
língua cantada de todo o povo do Ceará!
Língua dos engenhos de açúcar de Pernambuco e
Alagoas,
doce, na ternura, como um rolete de cana,
forte, no insulto, como um trago de aguardente.
Língua piedosa da Bahia de Todos os Santos,
que é também a língua das mandingas de Jubiabá,
língua dengosa da baiana que tem tudo
e apimentada como vatapá.
Língua carioca, mistura de todas as línguas,
mosaico de todos os idiomas que há no mundo.
Língua dos garimpeiros de Minas Gerais,
faiscantes de jóias e de pedrarias!
Língua sintética dos homens-dínamos de São Paulo,
exuberante de força, de serva e de energia!
Límgua dos pampas infinitos,
cheia de hipérboles e imagens,
insubmissa e viril como um potro selvagem.
Língua que o gaúcho libérrimo fez à sua imagem…
Língua em que todas as mães brasileiras ninam
seus filhos,
em que todos os lavradores nordestinos pedem chuvas
a Deus,
em que todos os desgraçados encontram palavras de
consolação…
Língua ardente, cantante, exuberante, original…
Língua da minha gente do Norte e do Sul!
Língua Nacional!

O MÁGICO

Sob o clarão da lâmpada,
pensa o Poeta… Em seu cérebro
ulula, geme e agita-se
a angústia, a dor do século.

Em tão reduzido âmbito
mãos crispam-se, almas partem-se.
O mundo, o mundo trágico.
aí ferve em sangue e lágrimas.

Remoinham libélulas,
dragões, panteras, lírios,
no exíguo receptáculo.

Indiferente, a lâmpada
— indiferente e irônica —
banha de luz o mágico.

O MURO

Um – dois – três!
Pensamentos e ideais
dissolvem-se no ar.
Para sempre.

Relógios de músculos
param
Para
sempre.
Balas acertaram
no coração da primavera.

Tombam corpos cálidos,
lábios em flor,
peitos abertos,
sangue escorrendo,
junto ao muro,
para sempre.

Um – dois – três!
As bocas se fecharam
para sempre.
Todos emudeceram
definitivamente.
Para sempre.
– Ninguém mais falará!
Mas o muro fala,
o muro grita,
o muro clama
por um mundo melhor.

O muro é imortal.

POEMA DAS MASSAS

Que vozes são as vozes que ouço em mim,
na praça pública da minha alma de Poeta,
gritando, protestando, blaterando?
São vozes de alucinados ou revoltados,
vozes de súplica ou de cólera,
vozes de bendição ou maldição?
São vozes de operários que pedem emprego
nas ruas das cidades sem tempo e sem alma…
— de homens que pedem oxigênio
no seio escuro das minas de carvão…
— de infelizes que pedem paz
em todos os quadrantes da terra…
— de párias e famintos que pedem amor,
que pedem lar, que pedem luz, que pedem pão.

Na praça pública da minha alma de Poeta
há milhares, há milhões de homens
clamando, protestando, vociferando,
como ondas em fúria num mar de tempestade.

Senhor! os homens bradam, gritam, apostrofam!
Eu ouço o clamor uníssono das massas.
Elas querem uma palavra de justiça e compreensão,
uma palavra definitiva e universal.
Só Tu poderás atender à voz angustiada e trágica dos homens!

Porque Tu és a palavra que cria e que constrói
além do espaço e do tempo,
dentro na Eternidade: “Amai vos uns aos outros…”
Senhor!
és a resposta que os homens buscam fora de Ti
— e que não está senão em Ti!

TAÇA DO TEMPO

A angústia do homem só – e a tarde triste.
– É um encontro de forma e conteúdo.
E, recessivo, o polvo da luxúria
dorme na rocha da ombridade inútil.

Passa um carro de fogo no horizonte,
rodas de brasas, sobre nuvens velhas.
Pássaros timoratos e brilhantes
aninham-se nas árvores vermelhas.

Faustoso e rubro o céu. E, triste, a tarde.
Da tristeza de nobre catafalco
onde um rei dorme para sempre. Sempre?

E toda a angústia do homem só – transborda
do cântaro de barro, que o comporta,
para a taça do tempo e do poente…

MURAL

Na velha habitação coletiva
os olhos dos inquilinos
brilham, em todas as janelas,
como em vitrina.

Na rua, fora, a rica cidade freme e corre.

Acordado, o monstro de cem olhos
vigia no ventre de outro monstro.

Quem tiver ouvidos de ouvir
poderá escutar a respiração de tantas almas opressas
pisadas pelo mundo.

CONCÍLIO POÉTICO

“Luar, luar
traz pão com farinha
pra dar aos pintinhos
que estão presas na cozinha.”
(Do folclore nordestino)

Os poetas vão deixar a lua.
Reunidos em concílio
decidiram abandonar para sempre
o astro romântico,
que governaram, por séculos e séculos,
como soberanos absolutos.

Lá ficarão apenas São Jorge sem espada
e o seu cavalo exausto,
à espera do Pégaso automático…
A lua já não tem sequer farinha
(aquela farinha branca e luminescente
que víamos cair do céu
quando meninos)
para dar aos pintinhos
que estão presos na cozinha.
Vão deixá-la os poetas
entregue à própria sorte,
como coisa inútil vagando pelo espaço,
a distância.
A lua não serve mais para nada.
A não ser de base para armas nucleares
que poderão, talvez, destruir a terra,
os poetas
e a infância.

LAGAMAR

Homens pescam siris nas águas turvas.
Na água suja
mulheres tristes, lavando roupa, cantam.
Meninos pálidos e alegres
banham se, aos pinotes, na água escura.
Porcos e jumentos bebem, juntos,
da água imunda
empoçada no mangue.
E todos confraternizam
na podridão do pântano
— indefectível e trágico
como um escarro de sangue.

EPISTOLA FRATERNA

Para escrever te esta carta, meu irmão,
não preciso de palavras, mas de gestos.
Nem de tinta ou de máquina, mas de alma

O mundo vive cheio de vocábulos vazios.
Repleto de mensagens inúteis:
porque nada comunicam,
porque não aproximam os homens,
porque não traduzem, de uns aos outros,
o seu universo de desejos e paixões,
de ansiedades e esperanças.

Jorram termos cabalísticos
das assembléias monstruosas…
Paz, Fé e Amor
deixaram de ser palavras honradas,
palavras autênticas,
palavras de vida eterna.
Quando acaso as empregam,
através da semântica da astúcia,
os embaixadores da morte
transmudam nas em sinais de ódio e de sangue.

Escrevo te esta carta, meu irmão,
para dizer te que não te escrevo,
mas te entendo, porque te amo.

BALADA DO ENFORCADO

Ao sair, feliz, à noite, da casa da noiva, o jovem foi
alcançado pelo laço que lhe atiraram de um caminhão
em disparada (Dos jornais da época).

A noite era bela e estrelada.

Não havia somente estrelas na noite:
havia ternura e encantamento.

No seu enlevo de enamorado,
despregou se da terra — e criou asas.
Sentiu, em toda a plenitude,
a poesia da noite rutilante.

Sonhou integrar se na harmonia profunda
do universo estelar.
E falou aos homens como a irmãos,
evangelicamente.

A noite estava semeada de bondade e amor.
Mas no coração dos homens
só, havia ódio,
maldade
e negror.

O laço
que veio
rodando
no espaço
pareceu-lhe um abraço
da noite radiosa,
misericordiosa.

Mas o laço
que girava
no espaço,
trágico e forte,
era o laço da Morte
— o abraço da Morte…

PAÍS DO FUTURO

Onde ficaste, Ariadne,
com teu novelo de lã?
Estou sem guia, sem rumo,
neste imenso labirinto,
sozinho com o Minotauro
neste dédalo sem fim.

O monstro vai devorar me
com as mandíbulas enormes,
vai o peito estraçalhar me
com as suas garras disformes,
vai moer me, triturar me,
enquanto, Aríadne, dormes
lá fora, em plena manhã.
Dormes, dormes, dormes, dormes,
no engano da vida vã,
a primavera nos lábios
entreabertos, de romã,
das mãos abertas — caído
o teu novelo de lã…

E o meu destino perdido
no terrível labirinto
cuja saída não sei:
meu destino onde perpassa
a sombra nobre de um rei.
Depois vem ordem, progresso,
liberdade, nova lei,
o futuro, o meu futuro,
que se anunciou grandioso
e eu ainda maior sonhei,
— perdido no labirinto
cuja saída não sei …
Que é do novelo de lã?
Ariadne! Ariadne!
Eu quero ter amanhã!

Agosto de 1963

ANGUSTIADO POEMA DA PÁTRIA

Minha Pátria,
onde estás?
Vejo te em sonho
mais bela do que em realidade és.
Quero te no coração
e foges ao meu afeto.
Ouço te — e não te entendo mais.
Que palavras aprendeste
noutras línguas que não sei?
Tua linguagem não te pertence:
falas por alheias bocas
e dizes o que não trazes
dentro de ti, no teu seio.

Pátria!
já não sei mais cantar te,
em versos feitos com o teu ritmo e o teu sangue
e com as puras e líricas palavras
do meu amor e da minha ânsia.
Onde estás, que não te reconheço?

Volta te para dentro de ti mesma,
procura no recesso de teu ser
a tua forma própria de viver.
Não vês que teu corpo imenso
precisa de uma alma ainda maior?
Busca, no teu passado,
a luz do teu presente.
E manda um raio desta luz para o teu armanhã,
em que desejo rever te e reencontrar te
com os olhos de meus netos
— e dos filhos de meus netos —
novamente moça, e forte, e clara, e bela,
no milagre da tua eterna alvorada.
Porque tu estás no sempre, ó Pátria minha!
Minha Pátria amada!

12 de dezembro de 1963

CANÇÃO DO RAIO

Quando o sol sumiu
no céu muito escuro
de nuvens pejadas
de chuvas e de chamas,
o menino sentiu
saudades do rio,
seu rio tão doce
— Salgado de nome —,
correndo entre moitas
de verde mofumbo,
curvas ingazeiras,
árvores sombrias,
correndo, correndo…
Correndo, correndo
com a infância feliz

do ardente menino
que sonhava viagens
por terras estranhas
com jardins de estrelas
suspensos nas nuvens
do mundo impossível
de um menino poeta.
Poeta sem letras,
sem livros, sem lira,
sem mestre, sem nada.
Um poeta só de alma.
Mas de alma que canta,
que freme, que chora,
qual fonte a fluir
no meio de pedras,
tímida e sonora.

O raio rolou
das nuvens pejadas
de chuva e de chamas.
Tombou o menino
na terra molhada.
O fogo envolveu lhe
a roupa, os cabelos.
Deixou cicatrizes
no corpo inocente.
Marcou para sempre
a vida, dos seus.
— E a alma do menino?
Ficou mais cheia,
mais cheia de canto,
mais cheia de rimas,
mais cheia de Deus.

LEGENDA

Meu filhinho recém nado,
tão frágil, tão pequenino,
tu hás de ter um bom fado,
um grande e belo destino.

Vendo te no berço, ao lado,
multas cousas imagino,
ante o teu vulto minguado,
ante o teu corpo franzino.

Serás um santo? um poeta?
Com a vida cheia de glória
e a alma de luz repleta?

Desprezo honras, pompas, brilho
Basta-me, na tua história,
esta legenda: Meu Filho!

BALADA DO CINQUENTÃO

Fatiguei me tanto, Amada.
Viajei cinqüenta léguas
por essa fragosa estrada
que toda, a pé, percorri.
Dentro da alma fatigada,
dos tesouros que juntei,
não resta nada? A lembrança
(por que não dizer saudade?)
de tudo quanto gozei,
de tudo quanto sofri.

Dos beijos que te ofertei,
dos versos que te devi .
De um rio que atravessei
inda criança… e perdi
Claro sino que escutei
na cidade em que nasci.
Doces rimas que rimei,
quando menino — e esqueci.
Das gerações que eduquei,
pelas quais tanto lutei
e das quais tanto aprendi.
Dos tempos da mocidade
ambiciosa, em que sorri
embalado na esperança
de um bem que nunca se alcança,
de um futuro… que não vi.

Oh! Futuro! espelho mágico!
montanhas de ouro, brilhantes!
As rosas caem do céu,
saltam estrelas da terra,
abre se o mar em corais …
Tudo um sonho evanescente.
Hoje só tenho passado.
Hoje só tenho presente,
Mais passado que presente.

Futuro não tenho mais.

FUGA Nº 2

Versos,
que andais
pelo espaço
como pássaros
voando à toa,
vinde, pousai
nos galhos tristes
da árvore velha.
Enchei de cânticos,
ruflos de asas,
arrulhos líricos,
cores aladas,
a casa pobre
que meu sonho habita.

Vinde, pássaros de luz.

Versos,
pedaços de Deus.

FUGA Nº 3

Sentir o tempo
tugir
na clepsidra interior.
Gota a gota,
vai se escoando …
Tempo intangível, tempo volúvel!
Não, não pode haver
nada que seja mais doridamente amargo e triste
que sentir se envelhecer

É BOM SER BOM

Meu pai e meu amigo! eis me a teu lado,
a rezar. Mas não ouves o que digo.
Eu tenho o coração despedaçado
de saudades, meu pai e meu amigo!

Fui, desde criança, todo o teu cuidado.
Cresci à sombra desse afeto antigo.
Afinal, era um só. nosso passado,
porque, ó pai, envelheci contigo.

Sereno e justo, Deus te fez um forte,
ante as ingratidões de todo grau
que te feriram, sem mudar te o norte.

Com a tua vida do mais puro tom,
tu me ensinaste quanto é mau ser mau
e me provaste quanto é bom ser bom!

FUGA Nº 4

Este momento que vivo
é o momento que passa,
é minha vida que flui,
que transcorre, que deriva
feita, de surpresa e de ânsia;
são pedaços de mim mesmo
que vão pelo tempo, a esmo,
como os troncos, restos de árvores,
que desciam na corrente
do rio da minha infância…

ORAÇÃO

Senhor!
afastai me o desejo
de querer encher o minuto que passa
com os meus egoísmos, ambições e ânsias.
E a preocupação de ser prático, dinâmico, eficiente.
No meio das coisas perecíveis
dai me a coragem
de libertar me dos meus interesses cotidianos.
Livrai me das minhas necessidades, Senhor!
Não quero ser mais nada.
Não serei mais nada.
Quero ser no Ser.

SONETO PÓSTUMO

Se o coração parasse de repente,
marcando o fim desta existência inglória,
apenas uma sombra merencória
recordara um poeta de alma ardente.

Uma sombra sem cor, sombra somente…
Eis tudo a registrar daquela história,
que não teve esplendor nem teve glória:
foi a história comum de toda a gente.

E os homens cada vez mais apressados
ouvidos não tiveram, deslumbrados,
para o verso final do pobre Orfeu.

Só as estrelas, que ele amara tanto,
entoaram pelo céu um alto canto
em louvor do poeta que morreu.

FUGA Nº 5

Eu e a poesia somos mais do que irmãos gêmeos.
Mais do que xifópagos.
Somos a mesma forma,
o mesmo osso,
a mesma essência,
o mesmo sangue,
o mesmo hálito.

Eu sou poesia.

BEM AVENTURANÇA

Muitos sonhos espalhei
pelos caminhos.
Muitos ritmos acordei
nas coisas e nas criaturas.
Muitos versos ofertei
aos famintos de ilusão.

Fui peregrino de surrão aberto:
o que levava para o meu sustento
deixei cair sobre as pedras da estrada,
mas prossegui cantando,
cantando,
em altas vozes interiores,
— o hino da fraternidade e da renúncia
na bem aventurança da Poesia.

TESTAMENTO

Legarei aos pássaros,
que foram meus professores de poética,
às flores,
que me deram lições de renúncia e doação,
à água,
que me ensinou a ser simples, sendo sonora,
ao sol, ao mar, ao vento, à montanha e às estrelas,
onde busquei inspiração e ritmo,
— tudo o que há em mim, como seu reflexo,
devolvendo a poesia que me deram
em luz,
em cor,
em música,
em perfume…

Se a sorvi da natureza,
hei de deixá la em tudo que me envolve,
para que minha lembrança permaneça
no poema que não foi escrito,
mas ficou
vibrando
no tempo.

PRESENÇA

Antes de nascer
Tu és.

No berço vivo em que dormes
és um sonho de carne
ou a carne de um sonho.
Tu és.
No pensamento dos que te amam,
no sangue da que te embala no ser
Tu és.

Ouando ainda não deste o primeiro vagido
nem tentaste a primeira sucção
no seio que te aguarda,
pleno de vida,
farto de leite,
cheio de amor
— todo mãe!
Tu és.

Ninguém te conhece
porque ninguém jamais te viu.
E todos te querem
e ansiosamente te esperam.
Oh! presença invisível!
Tu és.