Poeta e Educador

Ritmo Essencial

I PARTE

RITMO ESSENCIAL

Quando eu passar no espaço e ficar no tempo,
outros homens andarão
pelos mesmos caminhos que percorri,
pensando o que eu pensei,
amando o que eu amei,
sofrendo o que eu sofri…

Mas nenhum tirará
da pauta musical da existência
a mesma nota do ritmo essencial
que eu faço destacar se, nítida e pura,
dentro do pandemônio universal!

ANGÚSTIA

Senhor!
que angústia me causa a maldade dos homens,
dos homens que estão fazendo inveja às feras,
aos lobos, às hienas, às panteras,
pelo ódio, pela sede de sangue que os dominam,
pelos instintos bárbaros que revelam,
matando-se, comendo-se, devorando-se uns aos outros,
como se não tivessem dentro da alma
um pouco de Ti, da tua luz eterna, Senhor!

PEREGRINO

Meus passos vão-me levando a um caminho sem fim:
o horizonte se estende, de lado a lado,
como um abraço infinito do infinito
para o peregrino que avança,
o peregrino que vai em mim.

Vejo árvores carregadas de frutos multicores,
e não tenho desejo de prová-los,
porque minha fome é de frutos eternos.
Vejo campos semeados de flores
e não aspiro o perfume de suas pétalas,
pois o que eu quero sentir
é o aroma das coisas que não passam.

Vejo regatos de águas virgens
que tentam, cantando, a sede dos passantes:
não vou beber da linfa sonora e pura,
porque somente saciaria a minha sede
a água viva das fontes que não secam nunca.

Vou em busca do Absoluto
sou o Peregrino das distâncias…

DUAS VIDAS

Quem sonha traz a alma em flor.
Quem sonha tem duas vidas:
a de todos, pequenina,
trivial,
inferior,
– e a outra, a vida iluminada
do seu mundo interior,
muito mais bela,
muito maior.
Quem sonha traz a alma em flor…

MÃO

Homens, há uma grande mão estendida sobre vós
Vede, homens cegos!
Ela é branca e luminosa e forte.

Mão em que cabem todos os destinos humanos.
Mão que abarca o mundo
e sustenta o infinito nos dedos…
Mão que vigia, que adivinha,
Que vem do passado sem fim e conhece o futuro sem termo.

Mão poderosa,
mão luminosa.
os homens querem fugir dos raios teus!

Ó pobres criaturas passageiros,
filigranas do Supremo Artista,
ó homens,
a carne é só argila,
é barro só.

Ossos, nervos, sangue,
tudo desaparece,
tudo apodrece.

Mas em vós, homens,
aquela Mão pôs algo que não morre…
pôs a eternidade.

A sombra daquela Mão é a Luz.

O POEMA DO MEU FILHO INOCENTE

Ao Rui

Ele está sorrindo todo nos olhos…
nos seus olhos virginais
que ainda não vêem o que nós vemos no mundo.

Um dia,
a vista pura de meu filho surpreenderá
o perfil de todas as coisas,
a anatomia polimórfica da vida.

E ele terá também gestos de revolta,
gritos de ódio,
ímpetos de luxúria
e fome de pecado!

Se eu pudesse eternizar a inocência de meu filho
seria um deus!

MILAGRE

Se a Morte permitir que eu alcance a velhice,
um dia, muito longe deste dia,
num jardim quieto,
estarei sereno, talvez risonho,
coroado de cabelos brancos
– que são as espumas das marés humanas -,
vendo a vida cirandar em torno de mim.

A vida que chega nas criancinhas cor-de-rosa…
A vida que voa, que galopa
nos corpos ágeis dos adolescentes.
A vida que anda apressada,
com os homens e as mulheres,
em busca da Felicidade inatingível.

E a vida que pára, à espera da morte,
nos velhinhos acurvados e trôpegos,
sob o inverno último dos anos.
E por que me sentirei diferente desses velhinhos?
Por que nos olhos deles há uma tristeza que não passa,
em desalento sem fim?
Por que só eu, velhinho também, estarei risonho?
Por que só eu, no fim da vida,
ainda amarei, com todo ardor, a vida?
Porque quem sonha tem a idade que quer.
Porque o sonho nunca deixará minha alma.
É o milagre do sonho…

SONHO DE ÍCARO

Na evanescência da manhã serrana,
minha alma eterifica se, E, num gozo,
abandona se ao lânguido repouso
deste silêncio e paz virgiliana…

E a imaginação voa, soberana,
levada pelo anseio luminoso
de achar, lá entre os astros, áureo pouso,
numa ascensão sublime, sobre humana …

Imagino me em límpidas devesas
de mundos louros, cheios de surpresas
e de uma luz imaterial … Por fim,

ao querer voar (que o sonho me deu asas),
chumba me os pés o solo em ciue te abrasas,
ó humanidade vil! E caio em mim.

SÍMBOLO

Estrela pura,
estrela inocente,
o teu corpo branco
treme no meio da noite,
da noite cheia de volúpia e de pecado…

Cuidado com a pureza de tua carne luminosa!
Conserva intacta a tua grinalda!
Olha, estrela,

se te afastares da rota que Deus te traçou,
se deixares o ritmo eterno
pela glória efêmera de um minuto,
– a noite entrará em ti!
E rolarás no vácuo,
conspurcada, fria e sem luz,
como uma coisa inútil,
como um destino que se perdeu…

PUREZA

Tudo aqui está cheio de inocência:
estes claros regatos cristalinos,
que cantam suas músicas serenas
no vale aberto em místicas boninas…

E as nuvens cor de leite que, indolentes,
vagam no azul – espumas do infinito –
espelhando na linfa transparente
a candura das formas fugidias…

E esta garça de penas intangíveis
que, toda alvura, como alado lírio,
níveas asas de pluma ao vento solta…

E esta névoa que vaga na montanha…
E este fumo que sobe da lareira…
É este desejo de ser bom… É um sonho!

BRINQUEDO

Meu filho faz hoje quatro anos…
e eu já tenho mais de trinta!
A diferença de idade
não nos separa um do outro,
mas bem juntos nos mantém,
pois no sonho em que me embalo
eu sou criança também. . .

Com ele brinco eu de tudo:
brinco de soldado,
marinheiro,
condutor.

Brinco de ser ferreiro,
chofer
e mesmo de ser doutor.

Mas (quem a minha alma interpreta,
quem desvenda o meu segredo?)
só não brinco de ser poeta.

A poesia é um brinquedo perigoso.

A poesia é um destino…

EXORTAÇÃO AO HOMEM PRÁTICO

Homem prático,
que passas correndo pela rua,
contém o passo – que o teu esforço é inútil.
Olha que eu sigo ao teu lado,
calmo, sereno, devagar,
com os olhos cheios de paisagens,
os ouvidos bêbedos de música,
e a mente enflorada de sonhos…

Vê bem: por mais que te apresses,
por mais que avances,
nunca me vencerás nesta corrida.
Bem sei que és forte – mas eu também sou forte!
Depois, só há um ponto de partida: a Vida.
Só existe um ponto de chegada: a Morte.

E enfim, sobre o caminho percorrido,
tu, homem prático, deixarás apenas
o pó que levantaste do solo
com as tuas passadas estrepitantes.

É eu? Ah! eu deixarei pouco de mim mesmo
sobre os cardos,
sobre as pedras,
para tornar mais suave a caminhada
dos que vierem depois de mim…

DEUS

Quis escrever um verso
que enchesse a terra, o céu e o mar,
que enchesse o espaço e o tempo, a vida e a morte…
E da pena só me saiu um nome:
Deus.

DESTINO

Às vezes, pensamos que ninguém se apercebe de nós,
que vamos no meio dos outros,
sem rumo, sem endereço,
como um seixo qualquer…

Todos passamos pelo filtro eterno.

Quando mais esquecidos andamos de nós mesmos,
eis que a mão de Alguém se ergue sobre o nosso caminho
e nos aponta entre os passantes,
e nos distingue em meio à turba
e nos segue através da multidão…

RELÓGIO

Bates, de hora em hora,
e ouço no teu bater alguém que chora.
É o tempo que soluça em tuas cordas,
diante das horas que passam,
sinuosas, trêfegas, volúveis,
deixando um beijo em cada curva
e uma saudade em cada beijo…

Elas dançam
o bailado da ilusão:
rápidas chegam
e, rápidas, se vão,
como sombras que apenas deixam
outras sombras em nosso coração…

Quando te escuto,
ó meu velho relógio de parede,
conta-gotas de horas convencionais,
lamento a tua faina inglória e vã,
porque – bem sei – não poderás jamais,
embora andando e pelejando assim,
medir as horas infinitas
do Tempo que não tem fim.

NATUREZA

Sem ambições, sem desesperos, sem
orgulho fátuo, no sertão me insulo.
Ante as árvores pródigas me anulo,
na renúncia sem par de um grande bem.

Adoro o céu, a luz e a água que vem
cantando, de alta serra, em suave arrulo…
E mais à terra mãe eu me vinculo,
embora traga o espírito no além …

Natureza! em teu selo tu me enleias!
Como sangue a correr em tuas veias,
vibro. Mas tuas forças me consomem!

Que do Cosmos em face à imensidade,
de nada vale a trêfega vaidade
do miserável ídolo – que é o homem.

MÁGICA

Venham todos aqui.
Eu lhes mostrarei o interior da minha alma,
eu lhes abrirei todas as janelas de meu pensamento
e todas as portas do meu coração.
Para que ninguém deixe de ver,
pedirei astros ao céu e vagalumes à terra.
Pedirei ao Sol e à Lua
raios abrasadores
e clarões românticos,
para a iluminação do mundo estranho do meu ser.

Quando eu houver mostrado tudo,
revelado todos os meus sonhos e todos os meus desejos,
ânsias íntimas,
impulsos secretos,
volúpias recalcadas,
aspirações insatisfeitas,
tudo aquilo que os homens escondem com vergonha dos
homens,
depois de tudo, meus amigos,
hão de ver
que ainda haverá muito por conhecer
no fundo de minha alma,
nos abismos do meu pensamento,
nos subterrâneos do meu ser.

Sim, haverá o que os olhos humanos não enxergam:
– o enigma da Vida,
que é a mágica de Deus.

POEMA DO SILÊNCIO

Ó silêncio, de mãos de sombra e pés de pluma,
abre-me a tua alma tênue
e deixa-me dormir,
ao embalo da canção
sem palavras
de teu coração,
– que é uma bolha de sabão
a fulgir e a bailar
no ar,
como imponderabilíssima ilusão…

Silêncio, meu mestre e meu irmão!

BERCEUSE

Quisera poder dizer-te em versos, meu filho,
a canção de ninar que nunca morreu dentro de mim.
Aquela berceuse
que as mães deixam para sempre
na alma dos filhos,
como um perfume que tem voz
e canta, em surdina, dentro de nós…

Mas, em vão procuro as notas perdidas
do acalanto materno,
para com elas compor uma canção de embalo
para o teu sono de criança.

Não posso ouvi-las entre as vozes desesperadas do mundo:
os gritos dos homens enfurecidos,
o choro das criancinhas abandonadas
e os bramidos das armas de guerra,
em sombria e flamívoma coorte,
abafando a música da Vida
na sinfonia trágica da Morte.

DESTINO

Às vezes, pensamos que ninguém se apercebe de nós,
que vamos no meio dos outros,
sem rumo, sem endereço,
como um seixo qualquer…

Todos passamos pelo filtro eterno.

Quando mais esquecidos andamos de nós mesmos,
eis que a mão de Alguém se ergue sobre o nosso caminho
e nos aponta entre os passantes,
e nos distingue em meio à turba
e nos segue através da multidão…

POEMA DO MISTÉRIO DO SER

Cientistas, que investigais, noite e dia, o mistério da Vida.
Filósofos, que procurais desvendar o sentido da existência.
Poetas, que buscais, ansiosamente,
a fonte oculta do destino
na própria fonte de vosso coração
– cientistas, filósofos, poetas -,
viveis sonhando um sonho impossível
na vossa mísera condição humana
de seres materiais e efêmeros,
brincos do tempo,
bolhas de sabão da eternidade…

Cientistas!
Filósofos!
Poetas!
Bendito seja o Mistério!
O mistério é que faz de cada homem,
não uma sombra que passa,
imprecisa, tênue, indefinida,
mas um ser dentro do Ser,
um mundo dentro do Mundo,
uma vida dentro da Vida.

II PARTE

POEMA DO VENTO

O vento está doido!
o vento está doido!
As árvores não fogem
porque não têm pés. . .
O canavial se deita
com medo do vento.
Ah! se os coqueiros pudessem
galgar as nuvens
e escapar do vento,
abrigados no céu!

E o vento vergasta as plantas,
corre atrás das folhas,
levanta o pó da terra,
assovia nos lajedos. . .
O vento enlouqueceu!
o vento enlouqueceu!
o vento está em pé de guerra!

E o vento que vem do Ocidente?
e o vento que vem do Oriente?
Escuro de pólvora,
úmido de lágrimas,
tinto de sangue,
vento da Desgraça,
vento da Morte!

Os homens que têm pés,
por que não fogem?
Os homens que podem andar,
por que não correm?
Mas o vento vem de todos os lados:
vem do Sul e vem do Norte,
vem do Oriente e do Ocidente,
vem do Atlântico e do Pacífico,
de todas as terras,
de todos os mares. . .

Vento louco! vento homicida!
Traz luto nas asas longas,
traz pranto nos olhos cavos,
traz sangue nas mãos compridas.
E os homens, por que não fogem?

E os homens, por que não correm,
para escapar do vento,
deste vento tão forte,
que vem do Ocidente,
que vem do Oriente,
que vem do Sul
e que vem do Norte?
Vento da Desgraça!
vento da Morte!

Fugir para onde?
fugir para onde?

POLÔNIA

Polônia!
teu nome é um grito de dor
que sai das entranhas do mundo em chamas!
Teu nome é o S.O.S. da humanidade!
O mundo pede socorro com o teu nome,
ó terra secular do heroísmo,
ó pátria de todos os homens livres!

Polônia!
O clamor corta o universo de lado a lado
e sobe aos céus,
envolto na fumaça da pólvora,
tinto de sangue dos mártires da Liberdade,
misturado com o rugido dos canhões
e os gritos e imprecações
das mãos alucinadas,
das crianças desesperadas
e dos cegos, dos paralíticos, dos mutilados,
que ficaram sob os escombros
dos hospitais bombardeados!

Polônia!
E o clamor sobe
– coluna de lágrimas, de brados, de soluços…
– monumento de horror…

Polônia!
É o clamor do mundo e do século.
Senhor!
Escutai esse clamor!

Setembro de 1939.

GRÉCIA

A Grécia da Acrópole onde orava Renan,
que Byron defendeu como supremo ideal,
passou, com os deuses jovens e formosos,
deixando na História um perfume imortal.

Leônidas foi grande como herói!
Maior foi Homero, foi Sócrates, foi Platão,
que encerraram, de alma comovida,
– num verso puro ou num pensamento alado –
a essência da Beleza e o sentido da Vida.

Esta é a Grécia do que é perfeito, sendo eterno,
– luz do tempo, flor da história, sol do mundo,
– a Hélade divina!

A Grécia que aí está um corpo sem espírito.
(Quem a vencer – não vence a raça dos helenos!)
A alma grega fugiu pelo infinito afora,
de regresso, talvez, à sua pátria de origem:
– uma estrela – quem sabe? – onde a Beleza mora…

FRANÇA

À grande poetisa francesa Béatrix Reynal

Tombaste, grande França, pobre França!
E, no instante da tua queda,
o mundo inteiro estremeceu contigo…

Hoje, o que tens de mais vivo é um túmulo:
nele repousa Napoleão Bonaparte,
como um astro extinto cuja luz
ainda rasga horizontes e devassa infinitos.

Volta-te para esta tumba de granito,
onde jaz o gênio da tua Raça.

Nesta hora lúgubre,
que está soando em todos os teus sinos,
busca no sarcófago
o teu máximo guerreiro
a suprema inspiração
da tua Ressurreição!

Tu não podes desaparecer!
Por teu passado, que é tão belo e tão profundo,
Pelo sentido ascensional do teu destino,
porque tu és, ó França,
para o culto de todos os povos,
o sacrário do Espírito Latino !

IRMÃOS: NÃO BEBAM DESTA ÁGUA?

O vento uiva nas estepes…
O vento é um grito de pavor da terra,
diante dos homens ensandecidos.
Ah! os homens não se dão mais as mãos,
como irmãos.

Pobre Jesus,
que morres, eternamente, numa cruz!
Vês, pelos campos brancos de neve,
a correr, a correr, este rio de sangue?

(Os rios de Deus têm águas claras e transparentes…)

Não! O rio que vês, como uma fita vermelha,
a correr, a correr, através das estepes,
é feito do sangue das tuas criaturas, Senhor!

Não bebam desta água! não bebam desta água!
Ela é quase quente como a Vida.
Ela é escura como a Morte.

Não bebam desta água!
Ela não mata a sede:
antes aguça a sede de vingança…
Este rio vermelho causa horror!
Irmãos! não bebam desta água!
Esta não é a água do Senhor!

AMÉRICA

América dos poetas de ritmos grandiosos
como o teu destino,
– a força de teu gênio
dá alento, estímulo e coragem
a todos os soldados que estão lutando, no mundo,
com os navios dos teus estaleiros,
os aviões e os tanques das tuas fábricas,
e o pensamento ardendo em ti,
ó América,
flor universal da Liberdade!

O Brasil está também contigo
nesta luta da Vida com a Morte,
porque morte é tudo o que extingue no homem
a marca de si mesmo…
Os teus carros de guerra estão rolando
sobre a borracha da selva do Amazonas,
que o caboclo de tez tostada e músculos de ferro
extraiu da árvore de leite,
com o denodo de um guerreiro legítimo.

O Brasil está contigo,
– e com os homens inquebrantáveis da Ilha,
– e com os homens de aço das Estepes,
para dar a todos os homens, na terra,
sem distinção de qualquer espécie
(pois nenhum preconceito ficará),
uma felicidade que chegue para todos,
como o vinho nas bodas de Caná…

América de LincoIn e de Walt Whitman,
dos forjadores de novos simbolos poéticos
e dos criadores de novas fórmulas políticas,
taça da Democracia – eterna e imensa taça,
em que unes Beleza e Verdade, Poesia e Vida, Espírito
e Matéria,
numa só expressão total
da alma libérrima e viril da tua Raça!

DO CORAÇÃO DO NORDESTE

Do coração do Nordeste
– coração de fogo, coração de luz –
sai a voz ardente do Ceará,
como se fosse
um pedaço de sol, que canta e que reluz.

É a voz de uma Raça varonil
que traz escrito, no espírito e no sangue,
o capítulo mais belo e mais forte
da história do Brasil.
São páginas de glória e de heroísmo,
onde borbota o sangue vivo dos herais
e o sangue luminoso das idéias,
entre chamas de martírio
e clarões de epopéias!

Esta voz poderosa está cantando
nas ondas límpidas do éter,
com a voz de bronze do jangadeiro cearense
que, sereno e intrépido, a cantar,
dança o bailado da vida e da Morte
por sobre as ondas túrgidas do mar…

Homem do Brasil! homem das Américas!
ouvi:
o coração do Nordeste
está pulsando aqui
– e sempre pulsará –
na voz vibrante da Terra da Luz,
na voz fraterna do Ceará!
Olhai o céu cheio de estrelas:
vede como fulgura o Cruzeiro do Sul
– a cruz erguida pelo próprio Deus
no altar suspenso do infinito azul.
É o símbolo da Paz
que refulge sobre os destinos do Novo Mundo,
como um rútilo brasão.
Que importa que os outros povos, noutras terras,
se falem pela boca do canhão?!

Homem do Brasil! homem das Américas!
escutai! que vos fala um vosso irmão
que põe, na própria voz,
a voz do próprio coração!

ORAÇÃO A RABINDRANATH TAGORE

(Por ocasião da morte do célebre poeta
indiano, em 1941)

Teu nome é um cântico de paz
para o mundo rubro de fogo e de ódio.

Morre contigo
o último sonho de amor entre os homens
e desaparece a últimá ilusão
de harmonia absoluta e beleza perfeita.

Santo da Poesia!
resta aos que te veneram,
porque disseste ao mundo palavras eternas,
porque deste aos teus semelhantes
momentos cheios de Infinito,
o consolo de poderem rezar no altar de teu culto
a oração votiva da saudade,
mas daquela saudade transcendente
que atravessa mares desconhecidos e terras ignotas
e vai da terra ao céu…

EM LOUVOR DA ENFERMEIRA

Ó homens que lutais, de armas nas mãos,
em defesa, da própria humanidade,
pela vossa liberdade
e a de vossos irmãos!
Vede: alguém está seguindo os vossos passos,
com o mesmo ânimo varonil,
mas leva um coração feito em pedaços,
em lugar de uma espada ou de um fuzil…
É a enfermeira de guerra do Brasil!
É soldado também; quando peleja
não há ninguém que mais valente seja
ou que revele espírito mais forte,
em face do infortúnio
ou diante da Morte!

Ruja o avião pelo espaço, ameaçador,
haja gritos de angústia ou soluços de dor,
ela, em sua trincheira – o lúgubre hospital –
permanece de pé serenamente,
heroicamente,
e, se um estilhaço o coração lhe fere,
morre, fitando a imagem de Ana Néri,
– a heroína imortal!

Seu amor à humanidade é tão profundo,
que não tem inimigos neste mundo… ,
Se é criatura de Deus,
venha de onde vier,
seja quem for,
terá em suas mãos um cântaro de amor.
Mas se o ferido traz, sobre o Deito, estampada,
em ouro e esmeralda,
a imagem do Brasil – nossa linda Bandeira,
oh! que estranho clarão há no olhar da enfermeira!
Em cada gesto põe um mundo de carinho
e, baixinho,
canta um doce acalanto, docemente,
como a mãe que embala um filho doente,
para fazê-lo adormecer…

E, de dia, não come! e, de noite, não dorme!
enquanto espera (que emoção enorme!)
que ele possa, de novo, combater
pela luz, pelo céu e pela terra
que, um dia, os viu nascer,
a ele – soldado varonil,
e a ela – enfermeira de guerra
do Brasil.
Anjo! Santa! Heroína! Mãe!
Filha da Caridade, irmã do Amor!
Que por família tens a Humanidade inteira,
ó sublime Enfermeira,
eu beijo as tuas mãos em sinal de louvor!

BRASIL DOS MEUS AVÓS

Brasil dos meus Avós,
acorda!
Vem trazer-nos o ardor que rugia e cantava
no peito de teus filhos de outras eras,
de Caxias, Osório e Tiradentes,
dos heróis de ltororó e Tuiuti,
que rolaram no pó, rubros de sangue,
com o coração e o pensamento em Ti!

Brasil dos meus Avós,
ressurge, dentro em nós, nesta hora extrema!
Inspira-nos um cântico,
marcial e romântico,
que seja como a nova Marselhesa
da pátria de Peri e de lracema.
Faze que cada brasileiro, neste instante,
lembre o velho cocar, o vetusto diadema,
a tremular, medievalescamente,
na fronte heril dos teus guerreiros selvagens,
guerreiros mais humanos e sensíveis _
do que os homens maus do Velho Mundo
que, irrompendo do céu ou do fundo do mar,
matam mulheres, velhos, paralíticos,
tão-só pelo desejo infame de matar…

Brasil dos meus Avós,
dá-nos aquela mesma galhardia
dos teus veros heróis das matas virgens,
que marcavam a hora dos reencontros bélicos,
à plena luz do dia,
e cumpriam a palavra dada,
como coisa sagrada,
sem dissimulação nem covardia…

Brasil dos meus Avós,
– eu bem o sinto! –
estás dentro de nós!
Daí o ímpeto bravio do meu povo,
este estranho fremir da minha gente,
partindo a defender o Mundo Novo
do bárbaro assassino do Ocidente,
daquele monstro que, sanguissedento e vil,
trucidou, de emboscada, as tuas crianças
– rumorejante enxame de esperanças
que buscava um futuro cor de anil…
Neste momento de ressurreições,
– eu bem o sinto! –
estás dentro de nós, Brasil dos meus Avós,
sincero, puro, másculo, viril,
tu, que és o Brasil de hoje e de sempre,
– o imortal Brasil!

POEMA DO NOVO MUNDO

Surgiste do limbo da História
para as cruzadas da liberdade,
para as lutas em prol da humanidade,
ó Mundo Novo de uma nova glória!

Na cidade sem par da América do Norte,
como símbolo audaz de um espírito forte,
banha se na claridade
de um sol que a todos dá o seu clarão fecundo
– a, estátua da fraternidade
“A Liberdade iluminando o mundo.”

E na América do Sul,
ante o brasão de estrelas que é o Cruzeiro
eterno, a cintilar no eterno azul,
sobre o píncaro altaneiro
do imenso Corcovado,
como dizendo: Paz! – à humanidade aflita,
e aos vândalos cruéis dizendo: — Amor!
— para todo o universo,
em glória e luz imerso,
abre os braços em cruz o Cristo Redentor!

Por isso, o genovês que devassou os mares,
em procura de ti, escudado na Fé,
com certeza sentiu, ao respirar teus ares
e ao contemplar teu céu tão alto e tão profundo,
que descobrira, enfim,
o coração do Mundo…

NATAL DE SANGUE

Natal! Que noite negra!
A estrela do Pastor já não brilha no céu…
Mas das nuvens caem
fogos que incendeiam
e chamas que devoram.

Natal! Que noite triste!
O sino não repica,
a ovelha não bala,
os anjos não cantam,
a terra está erma de harmonias…
Mas enchem o ventre negro da noite
o ribombar dos canhões
e o tatalar de asas lúgubres
dos corvos metálicos…

Natal! Que noite trágica!
Natal das crianças órfãs de Stalingrado,
Natal das mulheres sem marido de Lídice.
Natal das virgens sem amor de Singapura,
Natal dos homens sem liberdade
dos campos de concentração.
Natal das igrejas sem Deus,
das sinagogas sem mestres,
das multidões sem alma,
dos povos sem destino,
da vida sem sentido e da morte sem causa!
Natal de sangue!
De sangue que aterra:
– sangue nos ares,
sangue nos mares,
sangue na terra!

Natal! que fizeste do menino
que trazia o Amor nos lábios,
a Paz nos gestos
e, na palavra,
o Caminho, a Verdade e a Vida?
Natal! por que a Estrela se apagou no céu?
Por que a voz do sino se extinguiu no espaço?
Por que os Magos se extraviaram no deserto?
Por que não vemos mais a manjedoura de Belém?

Ah! os homens perderam o endereço de Deus!

Ah! os homens estão caminhando
para o abismo sem fim do sem fim…
Natal! Natal!

Dezembro de 1943

ASAS DA LIBERDADE

Gloriosa RAF,
que dominas o céu do mundo inteiro,
seguindo o fúlgido roteiro
desta cruzada de Libertação,
– milhões de almas acompanham,
em contínua vibração,
o vôo de águias dos teus aviões,
os remígios de condor das tuas máquinas,
as revoadas homéricas dos teus pássaros indômitos
– páginas soltas, páginas voláteis
do Evangelho de luz da Civilização!

Ouando por sobre Londres – a Invencível –
os monstros infernais do déspota maldito
lançavam chamas, vomitavam lavas
– como vulcões abertos no infinito -,
foram os teus aviões libertadores
– tão poucos contra tantos! –
que, em face de tamanha iniqüidade,
transpuseram o espaço, num segundo,
e assim salvaram toda a humanidade,
pois a Inglaterra foi, naquele instante,
a mais heróica síntese do mundo…

E subiste tão alto e tão alto pairaste,
na tua sede de infinito e sol,
na tua ânsia de luz e liberdade,
protegendo o destino das nações,
que, ao ruído redentor dos teus motores,
se voltam para ti os corações
e te enviam – na música de um beijo
ou nas asas translúcidas de um verso,
as mensagens de amor e os votos de triunfo
de todos os recantos do Universo…

São corações de mães, de esposas e de filhas,
transbordantes de lágrimas e dor…
São magoados corações de noivas
que não se cansam de bater de amor…
São corações de minha Pátria livre e forte,
que enfrenta a vida como enfrenta a morte…
São corações criados à sombra do Cruzeiro
e onde canta e referve o sangue brasileiro…
São corações em cujo íntimo passa,
em ondas de heroísmo, o valor desta Raça.

Porque, ó RAF gloriosa e invicta,
nas hélices velozes
dos teus aviões democráticos,
a alma de Santos Dumont está vibrando,
trepidante, liberta, varonil,
– e é como se levassem, dentro deles,
a alma do Brasil!

CARNAVAL

Foliões estão passando pela rua,
num passo estranho e original,
– homens vestidos de mulher –
– mulheres vestidas de homem –
no estonteamento do carnaval!

A alegria desacorrentou-se.
A volúpia ferve
em tachas de fogo!
Prazer! Lubricidade! Desvario!

Feliz, a humanidade!
Homens, como saltais,
como pulais, de contentes!

Mulheres, a folia vos transfigura!
Como é boa a vida! –
Como é boa a vida!

Mas uma voz vem baixando das nuvens,
vem subindo das ondas,
vem rolando de outras terras,
voz cava, soturna, angustiosa,
voz pesada de vozes de todos os tons,
voz de horror:
– A vida aqui é sofrimento e dor…

Foliões estão passando pela rua…
Como são felizes as criaturas humanas!
O carnaval é a festa da Vida!

Mas a voz cava, soturna, angustiosa,
está dizendo e repetindo:
Dor e ódio! ódio e dor!
É o carnaval da Morte…

Milhares de homens ensaiam a dança macabra,
a dança de um passo só…
As balas silvam,
as metralhadoras crepitam,
os aviões rodopiam no ar,
fantasiados de dragões de olhos em chamas…
E a dança sinistra continua…

As granadas estouram,
os canhões espoucam,
a terra estremece,
o mundo se abala…
E a dança trágica não cede,
a dança continua…

Mas agora são poucos os homens que dançam.
Os que deram o passo – o passo único –
ficaram estendidos na lama,
de olhos vidrados
e bocas retorcidas.

A Morte passa num cavalo de fogo,
tremendo de gozo,
gargalhando,
chocalhando os ossos!

A Morte brinca o Carnaval!

Fevereiro, 1944

AMANHÃ

As sombras descem das montanhas
e dominam tudo.

Na treva pesada e espessa
os homens rugem como feras
e as feras falam como homens…

Nos rios que rolam transbordando de sangue
bóiam cadáveres ao léu.
São criancinhas mortas, mães defuntas,
corpos de virgens que não conheceram o pecado
e pecadoras que perderam a virgindade na infância.

Depois,
virá o silêncio imenso e denso…
E, dentro do silêncio total,
só se ouvirá a Mãe do Eterno,
plasmando, em barro novo,
um novo Homem.