Poeta e Educador

Terra da Luz

CEARÁ

Ceará!
quando eu te sinto integrado no meu ser,
vibrando na minha alma,
palpitando no meu coração,
vivendo na minha vida,
— vejo passar, diante dos meus olhos,
e o teu drama de dor e de heroísmo,
envolto no perfume da índia virgem
e tinto do sangue heróico de Tristão!

Minha terra!
eu me ajoelho, comovidamente,
em face do teu grande sacrifício,
ao contemplar te coroada de espinhos,
braços abertos,
cravejada no Sol — que é a tua cruz.
Mas as tuas chagas reluzem como astros,
porque teu sangue se transforma em luz!

Ceará! estrela candescente riscando a noite da escravidão!
Ceará! berço de todos os sonhos de Liberdade!
Hás de sofrer tanto ainda
e brilhar tanto,
que, um dia,
povos estranhos, em delírio,
verão todo o Brasil, pompeando em glória,
Iluminado pelo teu amor,
incendido pelo teu exemplo,
transfigurado pelo teu martírio!

ODE AOS JANGADEIROS CEARENSES

Voga a jangada sobre as ondas túmidas…
É a barca de São Pedro, que conduz,
no bravo peito de seus tripulantes,
a legenda imortal: Terra da Luz.

Águas e céus lêem somente agora.
Uivos, imprecações, brados, rugidos:
– é a música da noite que desaba.
Não sabem mais onde começa a terra,
não sabem mais onde o oceano acaba…

Novos Ulisses, enfrentando as vagas
dos mares que Homero não cantou,
vão, na jangada intrépida e veloz,
mostrar à rica e excelsa Guanabara
a coragem, a fibra, a resistência
desta raça que em bronze o Sol forjou,
desta raça, de mártires e heróis,
que enche os céus do Brasil, os céus da América,
de estrelas, de relâmpagos, de sóis!

A MORTE DO PRÍNCIPE

À memória do Pe. António Tomás,
Príncipe dos Poetas Cearenses

Uirapuru das plagas nordestinas,
entre os pássaros todos o primeiro,
cantaste no silêncio das campinas,
mas foste ouvido no Brasil inteiro.

Se, agora, em face à morte, a fronte inclinas,
teu nome sobe aos céus como um luzeiro.
E enchem o azul as vibracões divinas
que deixaste no canto derradeiro.

Teu verso simples agradava ao povo
que via, em ti – o velho e sempre novo
sacerdote da rima e da ilusão.

Príncipe – a turba te beijava o manto!
Pois foi a Lira, que prezavas tanto,
A imagem do teu próprio coração.

BANDA DE MÚSICA

A banda de música da minha terra natal,
nos meus tempos de menino vagabundo,
era a banda de música mais original
que havia neste mundo.

Mestre Bezerra, o “maioral” da banda,
metido em sua farda branca reluzente,
lá na frente,
musicalmente,
como um príncipe negro da Loanda.

Ele tocava um instrumento enorme,
desconforme,
que o envolvia da cabeça ao tronco,
qual
uma cobra amarela de metal,
cuja boca se abria para a gente,
ameaçadoramente…
Era um bombardão que nos falava assim,
em meio a um clássico e monótono dobrado,
sempre no mesmo som
sem tom
tão bom:
prom… prom…
prom… prom…

O mulato da requinta, espiritual,
requintava
num finísslmo requinte musical.

Mas o pistão estralejava.
gritava,
escandalizava!…
E o bombo
com o lombo
já bambo
num ribombo
de trovão:
tum-bum-bão!
tum-bum-bão!

………………………………………………………..
Já vai tão longe, tão longe…
Mas ainda hoje eu escuto, emocionado,
nos recessos profundos do meu ser,
a melodia indefinida e mansa
do velhíssimo dobrado
que embalou os meus sonhos de criança.
E, diante da infância que passou,
a distância afinal me persuade
de que aquela banda de música pequenina
era, naquele tempo, tão harmoniosa
quanto hoje, ouvida assim, através da saudade…

POEMA DO AMOR DO BRASIL

O poema do Brasil não é somente
o poema do mar selvagem,
das florestas intactas,
do céu sempre azul
onde fulge e refulge, eternamente,
— bússola de ouro — o Cruzeiro do Sul …

Mas é o poema do Amor do Brasil!
Do amor romântico e dolente de Marília …
Do amor espiritual de Carolina…
Do amor da que morreu de amor:
do amor de onça bravia de Moema!

E do amor puro, abnegado e triste,
que o estrangeiro sorveu, como um favo de mel,
nos olhos e nos lábios de Iracema…

Este é o mais belo poema do Brasil!
Porque é feito de renúncia e carinho e tortura e emoção,
porque é o poema de seu sentimento,
porque é o poema de seu coração!

BEM-VINDO SEJA

“Bem-vindo seja o estrangeiro à cabana de Arakém,
pai de Iracema.”

José de Alencar

Homem do Sul,
que pisas pela primeira vez a minha terra,
não tenhas medo do Sol nem receio do mar…

O mar é assim bravo e assim violento,
porque guardou, no seu seio imenso e verde,
as imprecações, os brados, os soluços
de todos os párias anônimos
que morreram de fome nos caminhos,
dentro da mesma pátria em que nasceste!

O Sol é forte e claro
como a nossa alma de bronze e de cristal,
que resiste, sem esmorecer jamais,
a todos os embates do Destino
e que, às vezes, reflete,
nas suas faces múltiplas,
a festa das sete cores do arco-íris…

Esperamos mais de um século por ti!
E vimos, tanta vez,
o céu carregar-se de chuva
e a água toda perder-se, para sempre,
no declive das várzeas infinitas
como o próprio infortúnio desta Raça…

Depois,
eram dramas de dor e de sol
que os nossos pés, sangrando, retrançavam
nas estradas sinuosas como serpes,
onde, macabramente, rebrilhava,
à luz assassina do meio-dia,
o ornamento sinistro das caveiras.

Homem do Sul,
ouviste, enfim, o nosso grito?!
Faz cem anos que clamamos assim!
Mas podes aproximar-te, sem receio,
porque, se alguma vez, num gesto de revolta,
levantarmos o braço, em sinal de vingança
– uma voz doce e triste cantará no nosso sangue -,
ó homem do Sul!

com a mesma ternura
com que cantou, há mais de quatro séculos:
– “Bem-vindo seja”…

HINO DE LIBERDADE

O sertão, todo em flor, esplende e cheira.
O Inverno é um paisagista delirante
Que pinta tudo de verde:
florestas, vales e montanhas…

Caboclo romântico e forte!
tema da tua viola
e entoa um hino de louvor à Chuva!
Não ouves um rumor, longínquo e surdo,
como de árvores explodindo de seiva,
como de frutos estalando de maduros?

Chegou a tua hora de redenção!

Teu braço não vai mais bater a solo
no trabalho pesado das rodovias.
Teu pão não virá mais da ganância alheia,
mirrado e triste como um fruto podre.
Teus filhos não dormirão mais ao relento,
tatuados de bexiga,
comidos de úlceras,
castigados de maleitas!

Tua mulher
não irá mais viver na casa dos outros,
como um traste qualquer.
Tu não terás mais ponto nem feitor,
nem as imposições do coronel,
nem as ordens do doutor…

Agora, reconcilia-te com a gleba:
cava o solo que anseia pelas sementes
e sonha com o milharal erguendo, ao Sol,
o diadema de ouro das espigas maduras.

Toma da tua viola
e entoa o teu louvor à Chuva,
que a Chuva, para o nordestino,
é a mesma coisa que felicidade…
Canta, caboclo romântico e forte,
o teu hino de Liberdade!

JUVENAL GALENO

Em tua lira, Juvenal Galeno,
vibrava toda a vida trágica e violenta,
de amarguras,
contrastes
e bravuras
de tua Terra e de teu Povo!

Misturavam-se, na polifonia de teus poemas,
rugidos de ondas,
trinos de pássaros,
aboios de vaqueiro e choro de violas…

Teu verso era um cristal mágico,
refletindo o martírio cósmico da gleba
e a tragédia humana
de teus irmãos das várzeas e caatingas.

Porque viveste no alto de uma serra,
tinhas a fronte cheia de infinito…
Eu penso, ó Juvenal Galeno,
na minha exaltação emocional de artista novo,
que tenta desvendar o mistério íntimo das coisas
na natureza inquieta,
– eu penso que foste
um pedaço do Ceará que se humanizou
e se fez Poeta!

A ENCHENTE

Era a casa de tijolo, à beira do rio,
a melhor do lugar.

Na noite preta como o cão
as águas do rio incharam,
cresceram,
inundaram tudo
e continuaram inchando
e crescendo sem parar…

A casa ficou perdida no meio do rio
como um navio no alto-mar.
Pequeninas e pálidas estrelas
cobriram o rosto com o lenço das nuvens,
com medo de olhar…

– Eh! canoeiro! socorro!
– Se a enchente continuar como vai,
daqui para o dia amanhecer
a casa cai!

E a voz aflita e lúgubre gemia
no silêncio da noite de agonia.

– Socorro, canoeiro!
– Só a canoa “lracema”
Poderá atravessar.
Uma canoa pequena
ainda é pior: pode virar.

………………………………………..
– Socorro, canoeiro,
– Eh! canoeiro, socorro, socorro!

Chuá. . . chuá. . . chuá…
Os remos atassalham o dorso do rio,
e a canoa, que ginga e se embalança,
rasga as águas,
corta o vento,
rompe a treva,
fura a noite
– e avança!

Da casa que o rio sitiou
parte um grito de alegria que vale um poema!
– É a canoa “lracema”!
– É a canoa “lracema”!

– Afinal, estamos salvos,
por causa de nossa fé.
Viva Nosso Senhor Jesus Cristo!
E viva Nossa Senhora,
Santa Bárbara, São Jerônimo,
São Francisco de Canindé!

Agora, de volta à terra,
conduzindo os que salvou da enchente,
a canoa, que ginga e se embalança,
corta o vento,
rasga as águas,
rompe a treva,
fura a noite
– e avança!
E avança!

SONETO DAS BODAS

A meus pais, no cinqüentenário do seu casamento.

Eu peço à Musa inspiração mais alta,
ritmo mais amplo, verso mais sonoro,
para dizer vos quanto vos adoro
e quanto, em vosso ser, meu ser se exalta!

Nem a ternura lírica me falta
ao coração de pássaro canoro:
porque teu beijo, ó Mãe — santa a quem oro,
de luz e amor minha existência esmalta.

Não me falta a verdade nobre e reta,
nem a desambição, nem a prudência,
com que integras, meu Pai, a alma do poeta.

Possuímos, meus irmãos, áureo tesouro!
Nele percebo, em mágica vidência,
toda a grandeza destas bodas de ouro!

TITÃ

“Dizem que, nesse longo trajeto do sertão pernambucano a Minas, não
pronunciou o Capitão mor uma palavra, sequer…
Durante meses e meses não acreditou o povo, no Cariri, na morte de
Filgueiras, símbolo de coragem e de vigor. Criam que ele, quando menos
esperassem, haveria de voltar, vitorioso e sereno, tal como sempre o viram na
paz do seu engenho ou nas guerras da Independência e da República do
Equador.

(Irineu Pinheiro – “José Pereira Filgueiras”)

José Pereira Filgueiras!
Meu trisavô destemeroso e rude!
Eu escuto, desde criança, o teu nome de guerra:
aprendi, muito cedo,
a apontá lo aos outros como um brasão,
como legenda heróica e marcial do meu sertão.

Guerreiro selvagem
— Napoleão das matas,
Aníbal das caatingas —,

tu foste bem o capitão mor do Brasil antigo,
afundando a terra com os tacões de tuas botas,
matando touros com a clava de teu braço,
rijo como barra de aço,
libertando Caxias do Fidíé lusitano,
acordando os sertões
ao ronco de teu bacamarte,
e arrastando o Crato inteiro, o Ceará todo,
para as procissões da Liberdade,
nas antemanhãs sangrentas da República!
1824…
Vejo-te, destemido e leal,
à frente do teu indômito batalhão,
a entrar na velha vila de Fortaleza,
tendo ao lado o apóstolo Tristão.

Vejo-te preso, a caminho da Bahia.
Por ordem do Imperador, a quem tanto amaste!
Por ordem do Imperador, a quem tanto serviste!
Por ordem do Imperador…
Como ias triste!

Nesta jornada final para a morte,
foste mais bravo e mais digno do que nunca.
Ninguém arrancou uma palavra sequer
do teu silêncio brônzeo de estátua,
do silêncio que foi a tua mortalha de granito,
do silêncio que ninguém rompeu,
que ninguém entendeu,
mas que era um hino vibrante,
clangorante,
estrepitoso
viril,
— pela liberdade do Brasil!

PÁSSARO MORTO

À memória de Antônio Sales

Quando um pássaro morre na floresta,
há luto e dor nas árvores imensas,
em cujas frondes vírides, suspensas,
andava sempre uma canção de festa.

Qual pássaro, cantaste as tuas crenças
em claro estilo ou em linguagem lesta.
Mas a morte extinguiu, fria e funesta,
da tua voz as vibrações intensas.

Emudeceste, poeta, em plena glória.
Da ave que tomba, após mágoas e prantos,
não resta, ao menos, pálida memória.

Deste silêncio a história te redime.
Porque ao Futuro – teus eternos Cantos
dirão teu nome, pássaro sublime!

MENSAGEM DE ESPERANÇA

Aos heróis da jangada São Pedro
Jangadeiro Cearense!
leva na tua impávida jangada
a mensagem de esperança
do brasileiro do Norte ao brasileiro do Sul.
Conta lhe a tua história alucinante,
a história da tua vida móvel e intensa
sobre um mundo que muda a cada instante
– mundo de águas e águas verdes e revoltas –,
em busca de pão para teus filhos,
para os teus filhos que não têm escolas,
para os teus filhos que não têm brinquedos,
para os teus filhos que não têm saúde…

Conta bem alto o teu drama, jangadeiro,
para que a tua voz chegue ao cimo da montanha.
Mas fala com a voz enérgica das vagas,
com a força e o ímpeto das ondas.
Contempla o Sol de frente,
como um descendente legítimo do Sol.
Se te curvares, seja como a onda:
ela, ao cair, levanta se mais forte,
ruge mais alto, empina se e estrondela.

Pede o que te negaram, jangadeiro,
em século de dor e escravidão,
a ti, que deste, ao Brasil todo,
a luz da redenção.
Se o homem do Sul te ouvir e sentir o teu drama,
como de alguém que possui
o mesmo passado, o mesmo sangue, a mesma Pátria,
poderás chamá lo, enfim, de irmão,
e mesmo, em despedida,
deixar lhe o coração…

Mas se ele se fizer surdo aos teus reclamos,
volta, na tua jangada aventureira, e heróica,
aos verdes mares que ti viram criança,
volta — e vem contar a tua odisséia aos que ficaram.
Volta — e vem recomeçar o teu trabalho insano,
a tua luta titânica e viril,
com a alma cheia, de amargura,
o corpo cheio de cansaço,
e o coração ainda mais cheio do Brasil!

Fortaleza, setembro de 1941.

BALADA DOS SINOS

Sinos da velha Igreja do Coração de Jesus!
Sinos que povoaram de sons a minha, infância,
sinos que me ensinaram a fazer versos…

E quantas vezes! como consolaste
ao vir da escola, com a cabeça cheia
de sonhos, de cantigas e de rimas…

E quantas vezes! — como consolaste
a minha alma ferida, consumida
por um desses imensos dramas pequeninos
de uma pobre criança incompreendida…

Depois, em tardes claras e tranqüilas,
escutei vosso canto como em êxtase,
sob os impulsos matinais do amor…
Adolescente, naquela idade lírica e ansiosa,
em que — sino também — vibrava o coração,
era tudo aos meus olhos cor de rosa
e aos meus ouvidos tudo era canção!

Sinos da velha Igreja do Coração de Jesus!
Os olhos fecho, ouvindo os agora,
para sentir me novamente criança
e reviver as emoções de outrora…

Sinos que anunciais o fim do dia!
sinos que acordais, para a prece, a cidade!
volta com outros a infância,
para alguns a velhice vem chegando…
Pra vós, não existe tempo nem distância.
Sinos! vós tendes sempre a mesma idade!
E despertais, assim, nos vários corações,
como um eco das vossas vibrações,
um canto de esperança ou de saudade…
Repicai! bimbalhai!
sinos da Igreja do Coração de Jesus!
Sinos novos? sinos velhos?
Sempre os mesmos, os mesmos sinos
matutinos,
vespertinos,
argentinos,
cristalinos,
divinos,
sinos,
sinos,
sinos..

CREPÚSCULO CEARENSE

O sol chegou ao fim, diluído em ouro…
Do monte sobre a falda,
coqueiros erguem taças de esmeralda,
cheias de um vinho fulgurante e louro.

Pelo céu, muito além, enfeitando a paisagem,
passam nuvens finíssimas, ao léu,
nuvens que tomam, de passagem,
a cor do céu.
E, entre fulgurações, em topázio e violeta,
a serra, ao longe, dorme,
como um peixe enorme,
que tivesse escama de malacacheta…

ORÓS

Gaúcho,
que tens nas mãos os destinos da Pátria,
lembra te dos grandes lagos naturais da tua terra,
dos rios que sulcam o teu país natal,
e escuta o clamor do teu irmão do Ceará,
deste caboclo impávido e tenaz
que, um dia, chefiado também por um gaúcho,
aumentou o Brasil, reconquistando o Acre.

Olha o Sol que se ergue sobre as nossas cabeças,
espadanando raios,
comburindo os campos e secando os rios,
embora dando a fantástica ilusão
de festas mágicas de luz
em chamejamentos e cintilações!

Vem ajudar nos a vencer o Sol
que peleja conosco, há séculos, Gaúcho,
uma luta de vida e de morte,
em que não tombamos ainda…
Constrói a barragem de Orós
para que possamos vencer
a batalha do Sol.

Quando as águas do Rio Jaguaribe
dormirem quietas e fartas,
no maior reservatório da América,
— teu nome andará
no fumo das fábricas,
no ruído das embarcações,
no estrépito dos arados e tratores,
no ondular festivo das searas,
na música dos sinos e na voz dos poetas,
— sob os céus amplos
como um hino que irrompesse, em dilúvio de sons,
do ardente coração desta Terra da Luz!

FORTALEZA

Filha do Sol! filha do rei! princesa!
é de estrelas teu mágico diadema!
Não tens o sangue azul, mas, com certeza,
descendes de uma deusa, que é Iracema.

E vem da tua olímpica realeza
o radioso esplendor e a graça extrema
que te fazem, querida Fortaleza,
tão bela e musical como um poema!

Teu verde mar, como um jardim, florindo
em velas brancas no horizonte infindo…
E o coqueiral que ostenta, ao Sol, a palma…

— São teus feitiços de que sou cativo …
É a tua alma, cidade! E nela eu vivo,
como tu vives dentro da minha alma!

CHOVE NO CEARÁ

Chove na minha terra!
Chove no Ceará!
Tudo é verde para a volúpia dos olhos
e as águas cantam para gozo dos ouvido.
Há delícia, prazer e encantamento,
há festa para todos os sentidos!

Chove na minha terra!
Chove no Ceará!
O Sol é um amante que se esconde,
para tornar-se mais amado, ainda.
E o cearense, com a sua alma de girassol,
Abençoa a chuva, acaricia a chuva,
mas pensa no Sol, tem saudades do Sol…

Chove na minha terra!
Chove no Ceará!
Os açudes erguem músculos de pedra,
para conter as águas desencarceradas,
as águas desacorrentadas,
que saltaram montes,
Estrangularam árvores,
vararam grotões, em disparada louca,
e chegam, enfim, cansadas,
fatigadas,
deitando troncos e espuma pela boca…

Agora, aos olhos que choraram tanto,
uma paisagem nova se descerra,
enquanto
a chuva rola,
como um pranto
que erra
pela face de um santo
ou de um herói que triunfou na guerra.
Pela face de alguém
que venceu o destino, vence e vencerá!
Pela tua face, minha terra!
Chove no Ceará!

LAGOA DE IGUATU

Plagiando o mar, no alto sertão, se espraia
a histórica lagoa de lguatu.
Garças desdobram asas de cambraia
sobre seu corpo palpitante e nu.

No tabuleiro que, à feição de praia,
derredor se lhe estende, árido e cru,
o sertanejo, antes que a noite caia,
passa a cavalo como um guaiacuru.

Corta-lhe as águas lépida canoa.
Em marotas febris, palpita e estua
toda a alma enamorada da lagoa…

E em vindo, após a noite, áureo arrebol,
troca os algentes ósculos da Lua
pelos beijos flamívomos do Sol!

LÍNGUA NACIONAL

Língua dos canoeiros e seringueiros da Amazônia,
florindo em sonoros vocábulos indígenas,
cantando na insistência das vogais:
uiara… pororoca… uirapuru…
Língua dos vaqueiros românticos do Piauí,
enchendo as grotas de aboios tristes e longos:
ecôôô… mansôôô…
Língua rimada, dos violeiros do Ceará,
língua cantada de todo o povo do Ceará!
Língua dos engenhos de açúcar de Pernambuco e
Alagoas,
doce, na ternura, como um rolete de cana,
forte, no insulto, como um trago de aguardente.
Língua piedosa da Bahia de Todos os Santos,
que é também a língua das mandingas de Jubiabá,
língua dengosa da baiana que tem tudo
e apimentada como vatapá.
Língua carioca, mistura de todas as línguas,
mosaico de todos os idiomas que há no mundo.
Língua dos garimpeiros de Minas Gerais,
faiscantes de jóias e de pedrarias!
Língua sintética dos homens-dínamos de São Paulo,
exuberante de força, de serva e de energia!
Límgua dos pampas infinitos,
cheia de hipérboles e imagens,
insubmissa e viril como um potro selvagem.
Língua que o gaúcho libérrimo fez à sua imagem…
Língua em que todas as mães brasileiras ninam
seus filhos,
em que todos os lavradores nordestinos pedem chuvas
a Deus,
em que todos os desgraçados encontram palavras de
consolação…
Língua ardente, cantante, exuberante, original…
Língua da minha gente do Norte e do Sul!
Língua Nacional!